terça-feira, 29 de setembro de 2009

EU PRECISO DIZER...

Agora sai toda a esperança que existe e a autenticidade da vida se reduz a uma cópia de nós mesmos, já que a velhice é apenas uma paródia da vida.
Quando se aprende a viver?
Quando se descobre o sabor contido em cada minuto. Quando se resgata a sensação do tempo que passa veloz como um pensamento, e encerra um dia quando as sensações deixavam o imaginário e tomavam sua forma real.
Gotas festejam o tempo das chuvas. Lugares novos se tornam a expressão do desconhecido. Brilha a velha mobília e aguarda pelas novas paisagens. É a nova estação que chegou. É a resistência curvada diante da vontade. Não pude deixar de colher as uvas, entreguei o gosto daquilo que deixou.
Restou um cheiro que me acompanha enquanto durmo. Visita meu rosto através das cortinas, como os primeiros raios de sol, num dia sem nuvens estampando um céu azul.
Restou o cheiro que verdadeiramente me desperta ao acordar. Suavemente, com suas mãos espalha as marcas das minhas costas, e tal qual a tinta numa tela, expõe os relances do pensamento. Os pingos coloridos perseguem os caminhos do meio, no meio turno. Entendem que o tempo busca um travesseiro para reclinar. Busca no calor, as linhas intensas para escrever.
Palavras que as arvores entenderam bem. Testemunhas da confissão que não é pecado. Ouvem o concerto sincero da melodia, que sob o silêncio quebrado, expressa aquilo que a quietude não soube dizer, ou julgou não bastar.
Fazem música nas noites quentes e poesia nas tardes frias. Celebram o canteiro plantado sob a certeza da descoberta de uma fonte de sorrisos.
Fruta de sabor indescritível que amadureceu lentamente, e despertou à sede da saliva. Entrega-se como fada ao mundo mágico do paraíso, e busca com seus doces desejos recriar o passo encantado.
Quando sentei na pedra e pensei na música eterna, percebi que todas as músicas entravam para o tempo sem fim. Tentei ser carregado nos braços e cai na relva, só me senti seguro injetando seu beijo em mim.
Dei as costas ao céu nublado, e percebi nos olhos que brilhavam o reflexo da minha face rubra. Preferi ser culpado por minhas palavras do que ser condenado, pelo meu silêncio.
Já escrevi sobre silêncios e noites. É solitário demais. Previ a angústia do inexprimível. Contei as letras da ousadia, e deitei na cama das chamas ardentes e infernais. Atormentado pela inquietude daquilo que não pude explicar, e preso pela chance de uma fuga, usando o caminho que sempre me deixava no mesmo lugar, percebi que a vida não repete os sinais, e nos oportuniza uma chance para aproveitar.
Cansei de saber que o que eu mais queria era sempre saber mais. Percebi que a visão é a constatação autêntica da cegueira, já que ela nos limita ao campo possível dos sentidos. Não consegui estar pronto quando a hora chegou, e até hoje procuro o ponteiro que deixou meu relógio completamente perdido nesse tempo louco.
Já esqueci as chaves, já esqueci os óculos, já me senti vazio. Um dia achei que havia acreditado num outro conto vão, mas despertei pelas palavras que soaram sinceras mais uma vez. Acreditei. Acima das minhas inquietudes, habita um desejo de fazer acontecer. Acima do medo, subiu a vontade de poder dizer. Disse. Falei aos ventos que levaram minha mensagem ao coro celeste. Ouvi então os acordes que vinham de além mar, e encontravam as almas no sopro santo do espírito sincero. Desarmei meu corpo diante do pedido que minha alma me fez, e fiquei exposto aguardando um sorriso.
A estrela chorou o brilho do céu na voz vermelha
O infinito rolou solto nas duchas do chafariz
Seus olhos captaram a intensidade da centelhaFogueira e chama ardente envolvendo seus quadris

sábado, 5 de setembro de 2009

É O MITO DO ETERNO

Não adianta tentar entender as razões pelas quais as coisas acontecem. Elas sempre acontecem. Aguardar a mudança no ritmo vertiginoso dos fatos é como buscar o calor no inverno glacial.
Esse mito do eterno retorno ao imaginário primitivo faz com que o belo seja o impulso do grito dado pelo artista em plena construção da sua obra. É o combustível idealizado das forças que sucumbem plenamente pelas falsas insinuações.
A fatalidade e sua forma elástica arrebentam as linhas áureas dos traços infinitos. Transformam a vida num imenso hospital, onde cada doente procura mudar de cama, e trocar suas dores pelas dores daqueles que fazem a visitação.
Os traços sutis que escancaram o desfiladeiro são as marcas das experiências que cerraram meus olhos para o lugar comum. O passeio saudável da imaginação, voltou doente e aflito. A força oculta do que não aconteceu é ainda a maior segurança contra a exposição de uma concepção.
Enquanto tentava acreditar nas esferas sutis das boas sensações, sentei sob o pé plantado da saudade e à sombra da árvore da felicidade degustei os gomos da solidão. Sabor azedo, comparado as expectativas soltas no mundo perfeito das idéias, mas sem meios de formalizar sensivelmente uma possibilidade. Levantei imponente para passear pelas campinas da esperança, e caí pasmo na poça da realidade.
Passei a ser vidente, o presente passei a amá-lo. Prevejo sempre o futuro, desde quando consegui inventá-lo. Assim a vida se constrói dentro das imagens possíveis do que concebo. Nas fossas profundas se destrói a ocasião daquilo que percebo. Reinam flores, reinam animais, frutos mordidos da poesia morta. A lida não se dá com carinhos recebidos, a lida é lida de maneira torta. Na inquietude vasta das coisas que virão, a noite apaga do sol luz do seu clarão. Não percebi a causa poética da fartura, não devolvi o malte que tinha pego. Não perco o rumo das oportunidades refletidas, mas comprometo a taça erguida do sossego.
E quando os olhos pesam sob o cansaço da contemplação, chamo Poe, que se despede da minha mão:
“Santa Maria! Volve o teu olhar tão belo,
de lá dos altos céus, do teu trono sagrado,
para a prece fervente e para o amor singelo
que te oferta, da terra, o filho do pecado.
Se é manhã, meio-dia, ou sombrio poente,
meu hino em teu louvor tens ouvido, Maria!
Sê, pois, comigo, ó Mãe de Deus, eternamente,
quer no bem ou no mal, na dor ou na alegria!
No tempo que passou veloz, brilhante,
quando nunca nuvem qualquer meu céu escureceu,
temeste que me fosse a inconstância empolgando
e guiaste minha alma a ti, para o que é teu.
Hoje, que o temporal do Destino ao Passado
e sobre o meu Presente espessas sombras lança,
fulgure ao menos meu Futuro, iluminado
por ti, pelo que é teu, na mais doce esperança.”