terça-feira, 30 de dezembro de 2008

AMOR-ROMA-AMOR-ROMA

Eu conheci uma menina que me fez perder o sono, justamente quando eu queria dormir para sonhar com ela. Conheci uma menina daquelas, que nos fazem pensar, pensar, pensar e pensar. Menina moleca, menina gentil. Dentro dos seus olhos, pude ver um oceano de mistérios, prontos para serem descobertos. Peguei minha lanterna, meu cantil, arrumei minhas coisas, e parti para a expedição. Não sabia até onde iria. E a inexatidão do destino ofuscava meus olhos, mas estimulava minha alma. Aproximei-me do seu rosto. Pude sentir o cheiro da pele. Toquei seus lábios com um beijo tão forte, que senti a terra tremer sob meus pés. Queria absorver toda a cor daquela boca cor-de-rosa. O mundo parou de girar, as estrelas brilharam ainda mais, e agora elas pareciam buracos no chão do paraíso. Percebi então, que havia chegado a hora de deixar o barco além do rio, devia prosseguir a pé e marcar com as gotas de meu corpo o lugar onde havia encontrado paz, para que ninguém mais ousasse depositar ali suas esperanças de beijo quente.
Nesse dia, aposentei meu coração. Até então, minhas decepções eram carnais, espirituais, materiais, sentimentais. As amizades só haviam me trazido inimigos, e eu trazia uma angústia que ninguém viu, e nunca verá. Tudo isso era resultado de um mundinho que eu criei, sob a inspiração das impressões que absorvi. Os amores eternos que tive, estes, não duraram sequer uma vida. Percebi que havia depositado os sonhos, em meias erradas, que não tomaram nem o cuidado de acender a lareira para chamar o bom velhinho e seus presentes. Eram amores perdidos na encruzilhada do ver com o sonhar. Não pude aquecer meu coração, pois a água do gelo derretido apagara o fogo. O poço ficou vazio, e estava tampado, não pude ver seu fim. Essa solidão acalentadora das noites vazias entorpeceu minha alma, silenciou o carteiro de novos horizontes, o confundiu meu espírito.
As sensações, entretanto, mudaram com um simples beijo. Beijos roubados de uma boca refém, que implorava para que não pagassem o resgate. Explorei cada centímetro de seus segredos, perceptíveis ou não. Descobri seu rosto, sua força, seu brilho, seu gosto. Fiz de seu corpo tela pronta, e de minhas mãos pincéis. Busquei em sua testa e umbigo suados a tinta para trabalhar e senti esse mesmo corpo, o seu, tremer quando com minha boca explorei seu pescoço. O calor que saía de meus lábios, era uma singela e humana representação de como estava me sentindo. Das vertentes escondidas e esquecidas ofereci minhas chamas. De você fiz poesia, fiz obra prima, fiz alegria. Fizemos do quarto, universo e nos perdemos nos lençóis. Fizemos cabana numa cama desarrumada, e da paisagem simples, uma linguagem inveterada. Devo admitir que ninguém conheceu tão bem meu corpo como ela, talvez por conhecer bem o seu. Parecia mágica, parecia música. Se o céu pudesse encontrar a terra, como nossos corpos se encontraram, seria testemunha de algo que nunca se viu. Como sonhávamos naquele dia. Nada me fazia crer ser possível aquilo tudo acabar. E até hoje, recorro às lembranças, para poder vivenciá-las outra vez. Já perdi as contas de quantas vezes repeti isso tudo para mim. Somos sementes de uma mesma árvore, almas desenterradas duma mina abandonada. Eu me apaixonei por uma menina que me fez perder o sono. As noites mal dormidas, só eram recompensadas pelas histórias que eu criava madrugada adentro. Hoje vivo na expectativa de e encontrá-la outra vez, e reverenciar seu toque. Essa sensação de reencontro me alucina, me embriaga, me afirma. Eu, sendo Mariana, a moça que me enlouqueceu, Carolina.


sábado, 27 de dezembro de 2008

OUTRA VISÃO


O amor se escondeu nas noites intermináveis, onde a paixão fazia o possível para o sol nascer. São sinais que se converteram em palavras, e provaram que o grito vazio apenas bateu na parede e voltou. Nem que fosse possível, as pessoas gostariam de viver suas vidas em felicidade plena. Isso pelo fato de que sem o equilíbrio triste, o sorriso tornar-se-ia monótono e sem cor. E o caminhante segue a procura desse amor que se perdeu. No espaço dos tempos longínquos, percebeu que exíguas eram suas possibilidades de vitórias, e seu cerne, estava repleto de objeções, que deixando o campo subjetivo, passaram a lhe fazer tremer. Como ele queria ter um plano de fuga! Fugir despretensiosamente e não olhar para trás, nem que fosse o temor de virar uma estátua de sal que o motivasse. Mas deixar Sodoma é algo que ele não quer. Em Sodoma, assim como Gomorra, seu corpo não pertence a ninguém. Seus pecados, sequer são registrados, pois a idéia de culpa não existe, a idéia de pecado é apenas uma das muitas filosofias que, escolhemos ou não seguir. Viu-se então preso pelo desejo, que se chocava contra a vontade. Tudo que motiva o homem estava trabalhando ao seu favor, ele só precisava escolher qual dos sentimentos seguir. Sua boca era distribuída nas noitadas, como acenos no coliseu. A cada saída, porém, percebia que deixava em casa seus sentimentos, trancafiados no baú de Pandora. Isso ia além da mera comparação, pois sabia que uma vez aberto seu coração, os malefícios para si seriam inevitáveis. Mantinha-se fechado, calado, gelado, mas isso apenas em sua parte alma, pois sua parte matéria revigorava-se a cada novo abraço, a cada novo enlaço. Aí então ele pôde perceber que o coração de um homem nem sempre está onde sua boca está. Percebeu que ele sem os riscos do amor seria apenas mais um pobre caminheiro errante, mas que o amor sem ele, seria sempre a força motriz das artes e dos homens. Comparou-se a uma estrada. Uma estrada sem o sol, de nada serve, pois estaria condenada a mais densa escuridão. Não deixaria de ser estrada, mas com o tempo, não haveria fôlego de vida que pudesse caminhar sobre ela, perderia seu sentido, perderia sua razão de ser. O sol por sua vez, não precisa de uma estrada para brilhar, brilha por si, em si, e mostra quantas coisas podemos experimentar. O dia ganha a benção de Hórus, e nos mostra muito mais coisas do que a noite. Isso porque o dia nos traz satisfação, liberdade, olhos abertos, que num misto de razão com emoção, nos faz sonhar, e perseguir nossos sonhos. O menino peralta, amigo da loucura, parou de se esconder. Mostrou-se em sua forma plena, e pôs-se à mesa para ser experimentado. O que antes era uma fuga tornou-se agora uma viagem. Marcada pela ansiedade de conhecer novos caminhos, de descobrir novos horizontes, e de se entregar à sorte pura do amar sem saber.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

REI COM ROUPAS DE PLEBEU


Um jardineiro certa vez, depositava diariamente seu amor, nas flores que ele plantava para embelezar sua casa. Jardineiro aposentado, há muito tempo havia deixado a jardinagem ofício, e passara para a jardinagem prazer. Ornamentava cada cantinho recluso, como se fosse uma das salas de um palácio real. Sua preferência eram sempre elas, as rosas. Acreditava que elas assumiam uma postura magnânima diante das outras flores. Eram imponentes, charmosas por natureza, e a cada elogio dado por aqueles que olhavam, era recebido como raio de sol, que fortalecia ainda mais aquelas belas folhas, que de tão belas deixavam os espinhos apenas como um detalhe, que nem merecia ser levado em consideração. Todas as manhãs, quando a luz do sol ainda estava percorrendo seus 8 minutos para chegar a terra, o velho homem se colocava em pé, e visitava cada uma de suas plantas no quintal. Era um grande quintal, limitado ao fundo por um muro alto, ocupado por folhagens que subiam a parede, aos lados o muro ficava um pouco mais baixo, mas ainda era alto. O expectador desatento ficava perplexo ao observar a variedade de espécies, ou “etnias”, como o jardineiro chamava, já que as considerava como verdadeiras pessoas. Num certo dia, de uma primavera qualquer, o pobre senhor se deparou com um problema, que de certa forma limitava suas ações, e seu trabalho. Ele estava sem vasos em sua casa, e o tempo chuvoso não permitia de imediato uma ida para o centro da cidade, com a finalidade de comprá-los, além do mais era domingo. Como ele deixou isso acontecer? Não podia imaginar seu trabalho interrompido, não por falta de matéria-prima, ou matéria-viva, mas por falta de ter onde coloca-las. Resolveu então andar pelo enorme terreno baldio, ao lado de sua casa. Quem sabe algum vizinho mal educado tenha jogado algo que lhe sirva, e agora a má educação ganharia até o eufemismo de “providência divina”. Estava desolado, tudo que havia encontrado era um vaso sanitário, que por estar quebrado em sua base, não fora utilizado na construção que se erguia dois lotes adiante. Como poderia ele, o grande admirador de suas pequenas, coloca-las num lugar tão desprezível? Hesitou um pouco diante desse dilema, mas concluiu que não havia alternativa, não havia um plano B. E lá foi ele, carregando o vaso, sob a chuva, que agora havia dado uma trégua, e apenas servia para dar um tom cinza, ao céu, que sobre as nuvens, com certeza se apresentava azul. Colocou o vaso no meio do quintal, e saudou com alegria os primeiros raios de sol que despontaram. Isso para ele foi motivo de enorme satisfação. Todo místico em seu jeito de tratar as coisas, viu aquilo como um bom sinal para dia, que apenas começava. Mas mesmo assim, não estava convencido se deveria ou não usar, a inusitada peça em seu jardim. Tentou ajeitá-la da melhor maneira possível, e ficou olhando, buscando um jeito de inovar aquilo que havia trazido, foi justamente quando encostado no tronco de uma das várias árvores que havia plantado, adormeceu.
--- Diga-me rosa onde está tua nobre casa? Perguntou, o irônico lírio, do alto de seu talo verde.
--- Está exatamente onde estou! Responde a rosa, sem entender, dentro de sua delicadeza, toda a aspereza que o lírio havia depositado na pergunta.
--- O quê? Aceitas essa pocilga branca, como teu lar? Enobrecem-te em buquês, levam-te para amantes, e não podem te reservar uma estadia num lugar um pouco melhor?
--- Lírio amado, como poderia eu não ter percebido. Mas pergunto-lhe, se algo importa em sua vida que não seja seu verdadeiro colorido.
--- Colorido talvez, mas de que adiantas as cores que nos brindam com sua beleza, se o lugar onde estamos se faz de tão áspera rudeza?
--- Não é bem assim, sou rosa tu és lírio, não importa quão charmosa ou simples seja minha morada. A verdade é que o trem é trem não interessa em quais trilhos.
--- Sutileza sempre foi tua marca. Mas responda-me, quem olhará para ti, perdida nesse vaso sanitário?
--- Aqueles que procurarem uma rosa, quiserem meu tesouro, e não buscarem apenas um pobre relicário. Continuo sendo flor, continuo exalando o perfume celeste, e minha essência ainda pode apaixonar. Não posso ser desprezada pela roupagem em que estou. Minha casa, meu abrigo, me garantiu a vida, e assim eu posso assegurar o amor. Não queira me deixa inibida, pois sei que mesmo em casas esquecidas, posso refletir meu valor.
Em meio a esse diálogo sem sentido, de um sonho tão louco quanto, o velho homem acordou de espanto, e concluiu que aquele vaso posto em frente aos seus olhos ainda sonolentos, será transformado em palácio real para sua rosa.
Colocou tanto amor no cultivo da pequena flor, que ela se impôs como a mais bela do jardim. Suas pétalas demoravam para cair, e ela ergueu-se com uma pose majestosa. Assim, o jardineiro percebeu, que não importa a roupa que damos, não importa a aparência que temos, uma rosa sempre será uma rosa, num vaso nobre, num canto solitário, num buquê esnobe ou num vaso sanitário.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

TUDO PODE MUDAR

Tudo muda! E o peito adormece quando vê suas mãos dando adeus,
É como se o olhar quisesse apenas dizer talvez,
E os sonhos de uma noite inteira pudessem ser revistos a plena voz.
Não sei se é bom contar comigo, e só comigo agora.
A luz da vela acesa sobre a mesa, às vezes me dá medo.
Imagino o que irá acontecer quando a chama apagar!

Esse peito calejado, ama, ri, chora, encanta e encontra um vazio cintilante,
Encontra nas penúrias da sombra onipotente a densa vazão de seu leito
Um buraco perdido dentro dos labirintos que minha alma criou para si,
Enrustido na doce lembrança do que foi um dia dormir em paz.
Alicerçado na vã expectativa de que poderá entender onde estão os anos,
Em que feliz caminhei por entre as letras belas e inteligíveis do amor.

Tudo muda! Até o sertão pode virar mar, se a chuva não parar de cair,
A vida pode virar morte, se o espírito, alma, razão, nos deixarem a sós,
E o que era uma fulgurante lembrança, pode amargar no vazio do esquecimento.
Só precisamos ouvir o momento. Essa areia solta que perdeu sua ampulheta,
Esse tempo louco que caiu no descrédito entorpecido e desleal do ser,
Um ser instável, louco e desgarrado de sua forma concebida e ideal.

As mãos agora se calaram. Foram sempre elas que falaram por mim,
Com o toque de meus dedos conquistei o mundo de faíscas,
Mas o tempo não permitiu que as labaredas ganhassem o céu,
Antes a água, apagou as memórias boas de histórias contadas,
E me senti amputado e dilacerado quando vi que não havia o que escrever.
As letras apenas pairam num universo que minhas mãos não alcançam.

Estou preso com os pés no chão, e meus sonhos voam a poucos metros,
Não pulo, não subo, não corro, apenas espero uma nova situação.
Desprender-me? Impossível! Na morte apenas, deixarei o lar que me acolheu.
Mas enquanto não recebo o indulto de salvação, misericórdia quero.
Enquanto não sinto o toque profundo de suas mãos, espero,
E do leito raso do rio, contemplo sua figura que assim como tudo, também muda.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

UM MARTINI, POR FAVOR.

Deixe sua boca num lugar que eu possa ver, assim saberei que seus lábios ainda expiram o último beijo meu. Essa boca de carne, de espírito e de um toque singelo, me fez esquecer que nem tudo no mundo é belo, e as coisas são maiores do que podem parecer. Se os lábios apenas falassem, seria uma satisfação ouvi-los, mas o vocabulário desse diálogo foi além do que imaginávamos. Quem disse que nos preocupamos com isso? Pode até parecer exagero, mas acredito que seja pura distorção. Isso significa que as notas continuam sempre as mesmas, mas nossos ouvidos estão ouvindo de uma outra maneira. Estão ouvindo como um suplicante pedinte, que ainda lembra do seu passado, controlando tudo ao redor. Agora grita em silêncio, responde calado, e dorme temendo os sonhos que possam aparecer.
Inclino-me em redobrada fé, e espero o ano terminar. Dentro de planos mal cumpridos, e desejos mal ouvidos, vou minha sanidade buscar. Deparo-me com a loucura, que insiste em me presentear, sabe-se por aí que ela tem dado muitas dádivas aos seus amigos, e tudo que lhe pedem anda concedendo. Eu que não tenho nada a temer, senão o próprio medo, exagero no tom da súplica, e amplio o som do enredo.Derreta-me com seu fogo abrasador, e despeje em minha boca as frutas que ousamos colher em outros cerejais. Torne vermelho seus lábios, seu corpo, suas intenções. Entorpeça-me ao som de mulheres cantando, e beba-me como um coquetel premiado, preparado para estar a sua disposição. Não esqueça a cereja, a Ana Carolina, as chaves, o telefone, seu vestido, sua personagem, sua história, seus versos secretos, o silêncio em sua memória.
Em quantos mundos eu precisaria viver para entender tudo o que aconteceu? E a história se escreveu pelo avesso! Quantas coisas para contar, e não contaremos para ninguém. Quantas vozes se apagaram pelo silêncio do instante que se fez. Vozes grosseiras, estúpidas, brandas, ternas, hesitantes, confiantes, duvidosas. Vozes que mudaram seu tom, sem perceber que o violão desafinava e perdia o acorde inicial, e nessa dissonância percebeu-se o nascer de uma nova canção. Quem sabe quanto tempo a música vai durar? Já durou o tempo suficiente para garantir lembranças, e essas lembranças já são suficientes para impedir que o relógio invisível apague as horas contadas. Medo de um abismo infinito, mas curiosidade para experimentar a dor das alfinetadas.

ENTRE A CRUZ E A ESPADA

Crianças com corações maquiados,
Com olhos abertos e mentes fechadas,
Busquem no bosque sombrio a energia que lhes falta.
O que somos, senão crianças, ignorantes acerca do próprio destino?
Nesse dia em que a chuva coroa o céu e a terra,
Estou ao lado da histórica meretriz,
Buscando por pouco tempo informações sobre sua fonte.
Minha cabeça, contudo, está me traindo,
pregando-me peças que nem sei dizer.
Só sinto que não sei como sentir.
Não teria direito de ser assim,
nunca estamos sós, e agora não seria diferente,
Apenas uma nova porta de um novo ciclo.
Pena que não posso saber quanto tempo devo aguardar,
Quem sabe um dia tudo se feche ao meu redor,
Talvez então eu possa notar que sou simplesmente alguém,
Atordoado por uma história de fracassos e vitórias. Ninguém saberá.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

MULHERES BALZAQUIANAS

Essas mulheres de 30 nos enlouquecem, nos causam arrepios, nos entorpecem. Interessante, notar os anos passando para aquelas que apenas olham, são expectadoras atentas da vida que marcha firme pela sua estrada, e retiram da idade a melhor essência que poderiam. Nada se faz por acaso e no esplendor dessas mulheres, é que se encontra a virtude de uma vida bem vivida. O limite foi transposto pelos idos de seus dias, e os próximos que virão, sejam 40, 50, não importa, serão apenas vertedouros da mais pura experiência. Ninguém que conheceu uma mulher de 30 irá se aproximar, mesmo que por devaneio, de outro lugar. É como se as casas ficassem vazias, os prédios abandonados e o parque perdesse todo o seu brilho. Você, mulher de 30, sabe como ninguém, preencher a alma de um homem. Sabe conversar, abraçar, envolver e proteger a figura desse mesmo homem, que se aproxima muitas vezes como filhote amedrontado. Apresenta-se como mulher, amante, namorada, conselheira, preocupada, independente, apaixonada. O que mais se pode desejar dentro de um campo real de possibilidades? Experimentar a uva que foi colhida há instantes no parreiral é uma aventura, mas provar o sabor dos bons vinhos engarrafados e cuidados pelo tempo, é indescritível. Havia um lema na década de 60 que dizia mais ou menos assim: Nunca acredite em alguém com mais de 30 anos. Isso tem certo grau de verdade. É impossível acreditar, apenas acreditar, pois o amor não merece somente crédito, merece tempo, cuidado e dedicação. Talvez devêssemos mudar a frase para: Nunca ame alguém com mais de 30 anos, pois uma vez amando, jamais deixará de amar. E quem disse que isso é um risco? Mas obviamente, não vamos anunciar ao mundo essa maravilha. Na verdade é absolutamente impossível não amar você mulher. Impossível deixar você passar despercebida. Sua força e energia estão depositadas em cada centímetro do seu corpo, que concentrado na altura ideal, faz com a admiração seja inevitável. Responda, onde você encontrou a fonte inesgotável da libido intensa?
Mulher de 30, você já provou a vida, já experimentou bocas, já experimentou amores, e hoje procura colher as flores do jardim que plantou. Os anos que passaram foram verdadeiros investimentos em si, para hoje, na tranqüilidade que o lar proporciona, aguardar os lucros de uma vida que a cada dia se renova, pronta para continuar. Sorte para aqueles que encontraram, esperança para aqueles que ainda não as acharam, e pêsames sinceros para aqueles que ousaram desprezar a magnitude da alma de uma mulher de 30 anos.

domingo, 21 de dezembro de 2008

MAIS QUE EU

Devoro-me sozinho, sonho sozinho, ando sozinho e sozinho beijo o espírito solto que busca minhas mãos. Agarro-me, entorpecido pela linguagem das poesias, que os segredos não permitem falar. Quando meus olhos absorveram a luz que refletia a imagem real no espelho, senti a maciez convidativa do corpo que me olhava. Era carne, pele, era paixão, loucura, dessas que não terminam com o verão, mas permanecem vivas por um ano inteiro. Vi o espelho, ele me chamava, me convidava para pular sem medo ou pudor. Celebrando o momento em que vim ao mundo, pulei, mergulhei em suas águas quentes, que eram trazidas por aquedutos, e vinham das montanhas cobertas pelas frondosas árvores, e exalavam o calor de verdadeiras labaredas, aquecidas pelos pingos que brotavam de minhas costas largas. As pernas, também aquecidas puderam laçar a oportunidade que ousei desperdiçar e nadaram madrugada adentro rumo ao cansaço. Era amor de pele, era amor de pelo. Nunca pensei que um simples espelho, causaria paixão. Narciso sofreu solitário. Andou por Téspias, desprezou Eco e quis juntar-se a Apolo e Dionísio.Os deuses desprezaram sua forma natural E agora Némesis me condena. Quer que além de tudo, eu vista uma túnica branca, quando nunca abandonei o tom carnal do vermelho. Nos lábios cor-de-rosa da imaginação, joguei minha âncora. Lancei os remos e fiz parada, mas não parei. Pelos canais navegáveis senti os ventos da emoção. Pude, a bordo de um veleiro, ver a lua se entregar à noite, as estrelas se entregarem às constelações e o sol render-se ao dia. O vulcão lançou sua lava incandescente, ela explodiu e ganhou os céus, escrevendo nele suas marcas de satisfação. A lata de tinta caiu, desperdiçando a cor que ela guardava. Tentei contê-la, mas meu esforço foi inútil, e quando menos percebi, estava completamente colorido, banhado em alto mar. Senti que as encostas e as escarpas, são mais inofensivas quando vistas de perto. É só abandonar o medo, e recolher do baú todos os segredos.
Continuava em meu espelho. E a chuva trazia as correntezas sem direção, conseqüência das nuvens carregadas, e uma estiagem de estação. Os rios, que antes tímidos se escondiam sob a mata ciliar, corriam agora para os mares e se encontravam em verdadeiros ensaios teatrais. E a força com que me seguraram foi sentida pela minha alma, antes que eu pudesse gritar. Gritei pelo mau gosto, mas não era mau o gosto que senti. Apelei para o tempo, já que era pouco o tempo que eu tinha, em face do tempo que meu corpo queria. O dia corria em relógios marcados pelo sol, mas eram os ponteiros que faziam o mundo girar, e o mundo girou, girou, girou. Os dias viraram meses, e os meses viraram anos. E desgovernado eu tinha a nítida certeza de não estar ali. Fizemos o segredo sincero e reafirmamos a igualdade fraterna, naquilo que ousamos chamar de intenso. Mas foi uma mentira estúpida, revelada apenas quando eu erro. Talvez um labirinto de saudades, feito por amores estranhos que tornam a liberdade prisioneira das próprias sensações. Só estou me divertindo comigo, buscando o calor do abrigo, que os meus braços não puderam dar.




CAFÉ SEM AÇÚCAR

À escura cópia pífia de um ser intelectual,
A busca insana por uma informação da qual possa se orgulhar,
A curiosa tentativa de abrir olhos e ouvidos,
Fizeram-me banir os pensamentos de fé,
Talvez consolidá-los em outra plataforma.
Fé racional, impossível! Fé intencional, talvez.
Nesse equívoco árduo de alcançar aquilo que há muito está caído.
Fiz a mochila do viajante que colocou o pé na estrada.
Se Kerouac viesse comigo, talvez me sentiria melhor,
Não é desejo, nem é vontade, nem sei se ainda há vaidade.
O outro Jack também não veio, cantou London London e partiu.
Nem sei se algum dia ele viria também. Acho que nunca quis.
Quem sabe as pérolas sempre pertenceram as damas,
De tanto vê-las saltando nos tabuleiros, quisemos jogar diferente,
Convocamos os peões, que certamente permaneceram na primeira linha,
Nunca quiseram sair sem as ordens dos generais. A ação prevaleceu sobre a intenção.
Esqueceram-se da tese! Procuraram a antítese,
E contra o próprio ser rei, remeteram palavrões vindos do purgatório,
Peões que não foram brindados com a taça da inteligência.
E a síntese?
Embora exista, sequer lhes foi apresentada. Sinta-se lisonjeada.
Mataram a dialética em dialetos que não se pôde compreender.
Para o nada olharam,
Do nada esperaram,
Pelo nada aguardaram, e tudo que receberam foi um sorriso fútil.
Foram correspondidas assim as palavras ditas,
As palavras ignorantes de bocas mortas, ganharam seus presentes.
E os peõs acreditaram que podiam opinar sobre a partida.
Opinião? Opina? Não!
O que se passa por essas cabeças?
Antes passasse um par de chifres ou de orelhas.
A utilidade mesmo que questionada seria notória.
E adianta falar? Uma rouca voz, sendo paga, as vezes se apaga,
E não acha para essas cabeças uma boa função.
Peões atolados na sórdida ironia de serem os vencedores da batalha.
Não há nesses indivíduos o que valorizar,
A pena deixa o tinteiro e passa a fazer parte de uma ação afetiva.
E a busca por uma partida que valha a pena já dura uma imensidão.
Não deixe de buscá-los no encontro certo dos dias,
Eu até gostaria de deixar algo mais nítido impresso no olhar,
Mas a retina está corrompida pela gasolina,
Que não muito tarde estará prestes a explodir.
Xeque-mate.

ASTRONAUTAS GENERAIS

Eu conheci meninos, simples meninos,
Eu os conheci quando eles ainda eram jovens,
Quando eles ainda sonhavam com o porvir,
Quando eles ainda exploravam a própria caverna.
Eu conheci meninos, simples meninos.
Eu os conheci quando eles imitavam artistas,
Quando eles ainda gostavam de apelidos,
Quando eles ainda respeitavam seus heróis,
Quando eles ainda tinham seus heróis.
Eu os conheci meninos, simples meninos.
Mas os meninos abençoados, viraram deuses,
Viraram anjos rebelados contra a ordem celeste,
Abraçaram sua intelectualidade pueril, gritaram,
Embruteceram-se com falsas doutrinas,
Intelectualizaram as bestas dos campos,
Destruíram as lembranças, as letras, o abraço.
Ousaram ser divindades, e não deram o tom,
Esquecendo-se que aqui, matamos deuses,
Enterramos seus corpos numa tumba fria,
Armamos soldados para guardar o corpo.
E os meninos deixaram de ser meninos.
E os meninos que conheci, não são mais,
Tive que matá-los em meus pensamentos,
Eu esqueci os meninos, simples meninos.

sábado, 20 de dezembro de 2008

LONGE DEMAIS

TRAGO DENTRO DE MIM O SABOR AMARGO DE UMA VIDA DE EXAGEROS,
AS MARCAS QUE HOJE TENHO, SÃO DE PEIXES BUSCADOS NUM MAR SECO,
ESCAMAS TIRADAS DE UM PORTO, ONDE NÃO SE VENDEM SARDINHAS.
PENSO NA CARREIRA QUE CRIEI, E EM TUDO AQUILO QUE FIZ POR MERECER.
CARREGO UM CORAÇÃO CICATRIZADO, VEIAS ABRAÇADAS NUM TOM FATAL,
MÃOS TRÊMULAS QUE NÃO CONSEGUEM SE FIRMAR, DEDOS QUE TREMEM.
ESPERO AGORA O JULGAMENTO. JULGAMENTO DE MEUS ATOS,
JULGAMENTO DO MEU EU. QUERO AINDA OUVIR A SENTENÇA FINAL.
NAQUELE DIA, CUJA HORA NÃO SEI, IREI RELEMBRAR AS AÇÕES,
MEUS ERROS SE TORNARÃO VIVOS, COMO A PURA CONDENAÇÃO.
ESQUECEREI ENTÃO MEU CANUDO, ABANDONAREI MEU DINHEIRO, FICAREI MUDO.
PAGAREI PELAS CRENÇAS QUE TIVE, ACHAREI AS MENTIRAS QUE DEFENDI.
E NESSE DESCANSAR DA TARDE QUE ANUNCIA A NOITE, ESTAREI SÓ.
VOCÊ ME DEIXOU SOZINHO, E ASSIM FIQUEI TRISTE, CHOREI À PENA MORTA.
DEMOREI PARA JUNTAR AS MIGALHAS DO PÃO QUE COMEMOS PELA MANHÃ.
FECHEI A PORTA DA GAIOLA EM QUE PRENDEMOS NOSSOS PARDAIS.

OUTRA NOITE NA TABERNA, O ENCONTRO COM A MORTE

Eu vi a morte, e ela sorriu para mim. Mostrou-me seus dentes afiados, e seu rosto repleto de pele frouxa, que pendia dos ossos, quase em decomposição. Seu corpo, tinha um porte forte e, pasmem, vívido. Resplandecia a garbosidade de um guerreiro que venceu muitas batalhas. Mãos fortes, dedos longos. As veias que a irrigavam, pareciam artérias, dado a grossura de seus calibres. Muito sangue passava por ali. Interessante perceber como a morte parecia mais viva do que a própria vida, que diga-se de passagem, eu nunca conheci.
Eu vi a morte, e a chamei para se sentar. Pedi uma bebida forte, já que essa senhora não é daquelas que se entrega por qualquer trago. Não me recordo agora, mas acho que foi whiskey, um bourbon talvez. Enquanto ela se acomodava no assento, observei as pessoas ao meu redor. Todas despreocupadas, vivendo a aparência oportuna que o momento proporciona. A senhora da foice tomou o lugar reservado para si. Olhou-me, e conseguiu através de meus olhos ver minha nuca, entrou em minha alma, e me senti fulminado pelo fogo de sua retina. Estava pasmo, desequilibrado, desorientado. Nunca ninguém me olhara assim, nem mesmo na mais intensa hora de amor. Como eu tinha perguntas para fazer! Pensava que tão forte era o instante, tão precioso o momento, que talvez não saísse vivo desse encontro, mas sem trocadilhos com a ouvinte. Esse pensamento vinha da intensidade que a conversa apresentaria. Senti antes de qualquer coisa um aperto profundo, uma angústia dilacerante. Meu coração era comprimido contra ele próprio. Era como se uma mão o apertasse cada vez mais forte, cada vez mais fundo. Queria correr, mas meu corpo me acompanharia, queria explodir, mas ainda sobrariam pedaços sórdidos de lembranças que lutaram para não serem esquecidas, queria gritar, mas mesmo assim, minha voz só expressaria a dimensão da minha ansiedade. Controlei então o ritmo das batidas, controlei o fluxo dos pensamentos, foi assim que pude dormir um pouco, antes de me lembrar do encontro, e partir correndo, para chegar na hora marcada. E agora, cá estou eu, sentado atônito, diante dessa figura milenar que continua sorrindo. Confesso que fiquei com medo, por vários momentos eu temi pela minha existência. Agora que alguns minutos passaram, percebo apenas um olhar de curiosidade que ronda nossa mesa. Tenho tantas coisas para dizer, tantas perguntas para fazer, que já estou me sentindo como uma criança que se perdeu dos pais, no meio de uma loja de brinquedos. Não sei por onde começar. O pior é saber, que se fosse ela a responsável pelas perguntas, eu já estaria repleto de pontos de interrogação. Mas dentro da minha quietude paira a grande e assombrosa expectativa do momento porvir. É interessante deixar o tempo passar, fico olhando sua cara impaciente, pensando, quem sabe talvez, numa coisa melhor para fazer. Suas roupas, se é que posso chamar aqueles panos sujos de roupas, trazem as marcas de uns bons anos sem descanso. Acho que ultimamente ela tem trabalhado demais. Temos dado motivos de sobra para isso. Estamos sendo parceiros nessa luta desumana, ou humana demais. Finalmente uma pergunta surge, mas justamente sobre algo, que eu acredito ela não entenda: A vida. E foi justamente nesse ponto que me enganei. Quando lhe perguntei sobre a dimensão da vida, ela me respondeu de uma forma pausada, e quase auto-explicativa, que a vida dimensiona-se pela vontade de viver. Pelas horas que passamos contemplando essa virtude de excelência quase divina. Muitos ousam tentar entender o sentido da vida, e assim gastam os anos que lhes são confiados na vã filosofia que busca explicar o inexplicável. A dimensão da vida está presa em cada passo dado rumo ao infinito, em cada gosto sentido, em cada nova informação aprendida. A dimensão da vida está em poder olhar para o lado e perceber que cultivamos amizades, cultivamos amor, carinho, e conquistamos um mundo ao nosso redor. Essa dimensão não se finda com a morte, mas ganha uma nova essência. A essência que não precisa da matéria para sobreviver. Que agüenta firme a marca da ausência, e eterniza-se nas palavras de quem insiste em relembrar. Nossa boca é a maior mantenedora desse espírito. Cada vez que mencionamos um ente que se foi, um amigo que nos deixou, uma pessoa especial, estamos revivendo esse ser, nem que seja de maneira puramente sentimental ou intelectual, mas ele continua em nosso meio, e contra isso não há morte que possa vencer.
Fiquei surpreso, calado e envolto na mesma sintonia de misericórdia. A morte então foi tomada por uma expressão de desânimo, e suspirou fundo, como se quisesse dizer algo mais. Eu não estava errado, e ela prosseguiu dizendo, que o medo que as pessoas sentem de morrer, não fundamenta-se no medo da morte propriamente, mas no apego que se tem ao mundo material, no sentimento de que algo ficou para trás e no desejo de levar tudo e todos que gostamos para o mesmo caminho. O homem não a teme, o homem não a vê como fazendeira que ceifa vidas, mas como um momento que estraga os prazeres. Se nos comportássemos como uma vela, e deixássemos queimar lentamente nosso fluído vital, não teríamos medo da chama se apagar. Mas como usamos o presente para anular o passado ou preparar o futuro, acabamos nos esquecendo das mais belas impressões que a vida nos dá. E isso nos causa medo. Isso nos faz evitar o destino certo de todos: fechar os olhos para a vida, quando a vida não nos quiser mais. Pois sim, isso é verdade. Não é a morte que nos busca, mas a vida que nos entrega, quando percebe que não sabemos mais o que fazer com esse dom que recebemos diariamente. Apesar dessa dádiva representar muito, alguns não pensam assim, e resolvem entregar seus destinos a práticas que não levarão a lugar nenhum, senão, ao caminho da própria tumba. Ao caminho das trombetas mudas, dos anjos sem asas, das casas sem teto, do céu sem estrelas, da escuridão sem luz. A vida despede-se do choroso ausente. A vida dá tchau. E contribuímos levantando a mão, quando deveríamos lutar para preservá-la, lutar para mantê-la firme ao nosso lado. Mesmo a vida sendo um vácuo entre dois infinitos, ela ainda assim impressiona. Causa fascínio aos olhos aflitos, esquente o coração gelado, torna-se doce o fel derramado. Mesmo assim queremos desprezá-la, submeter nossa razão às paixões insanas, perder o nosso tempo com brigas que nem sabemos como começou, e enquanto isso nos envolve, a areia da ampulheta está caindo, e completando nossos dias.
Já era tarde, e a morte levantou-se, como se querendo finalizar a nossa conversa. Logo agora, que as perguntas começaram a brotar. Justo no momento em que meu coração foi solto, e a mão invisível que o apertava deu adeus! Que injusto, a noite apenas havia começado. Mas no exato instante em que o medo foi embora, minha amiga morte também deixou o lugar. Demorou até eu perceber que continuava vivo, e que mais uma vez havia cansado a morte. Continuo sendo, e ela não é, mas estou certo de que quando ela for, eu não serei mais.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A ILHA DE BELEZAS NATURAIS

E Deus fez o homem do pó da terra, e soprou nas suas narinas o fôlego de vida, e o homem se fez alma vivente! Será?
Bem que eu poderia tê-la feito eterna nas letras que saem de meus punhos e se acumulam sempre que paro para escrever. Eu bem que poderia ter feito isso, mas não havia como entender aquilo que você desconhecia e nem como imaginar quantos anos sua eternidade teria. Nas alturas inalcançáveis, que se ergueram nesse verão, limitei o pouso incerto de meus pés e o peso falho de minhas mãos. A loucura, essa companheira de batalhas, e amiga de noitadas, interpretou, como bem quis, as frases que foram passadas apenas com um obscuro desejo de informar. Após ter aberto minha boca, pouco me restava, coloquei minhas esperanças numa garrafa vazia, dei nela um beijo de solidão, e com as mãos em sinal de piedade acenei em forma de despedida, expressando um tom bucólico de adeus. As palavras já não eram o alívio que eu esperava, e nem me deixavam em paz. Traziam o desejo desumano do conhecido e a memória relutante em aparecer outra vez, do que eu já havia esquecido. Elas não continham porém, em sua liquidez, a certeza daquilo que se mostra nas noites enluaradas, onde as feras uivam mostrando seu lado arisco de animal. Noites onde cada passo é uma vitória, e chegar ao destino, é no mínimo uma esperança, quando na quietude do breu adormecido, a lua observa as folhas, que molhadas pelo orvalho da madrugada, saúdam o caminhante que se põem na estrada, buscando sua consolação. Após um dia inteiro de deleite sensível, eu ainda receberia um presente.
Se as tardes fossem sempre tardes, meu dia não sairia descabido, não teria os passos largos, e o peito silenciaria o gemido. A noite, essa vilã já citada, sucede as tardes quase eternas, mas isso não nos permite agir sob o princípio irracional da casualidade e afirmar se ela será boa, e também não podemos dizer que será ruim, se ela terá o cheiro vivo das rosas ou será, infestada pelo cheiro de um velório com flores de jasmim. E eu poderia tê-la feito letra serena, você que era grande e a noite que diante de ti estava pequena, buscado com meu tinteiro sua pele morena e arranjado um rascunho, para nele escrever sua resenha de amor. Fui mouro em batlhas perdidas, fui exército carregado de arsenais, fui trabalhador fugido, expulso a força de sua lida, fui Édipo, Ulisses e Aquiles nessas viagens colossais. De meu cavalete pronto para pintar, fiz crucifixo sem Cristo, e pude então, como um fiel devoto de santos dobrar os joelhos e outra vez rezar. Quis marcá-la com meus toques, quis molhá-la com meu suor. Quis ser um homem de sorte, e focar você de forma infinita, buscando encontrar ouro fino nas minas de teu corpo onde os outros viram pedra brita. Mas você quis se fazer escondida, quis se fazer sorrateira e voltou a ser menina!
Como pode um mesmo céu estrelado, banhado pela sedução de uma imagem refletida, ver o sorriso e a lágrima? Como pode o céu fechar-se estampado, e amar calado a menina e a mulher? Em braços apertados pelo laço forte do descaso eu descansei de ti. Agora não sabia mais o que estava vivendo, e onde os sonhos largaram as mãos da realidade. Nos pastos de capim colhido, eu corri atrás de vacas que carregavam o cupido, e me flechavam enquanto eu tentava escapar. A noite se mostrava como um baú de presentes imprevisíveis, e trouxe consigo os anjos sem asas e suas trombetas mudas."E eis que estou a porta e bato, se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, cearei eu com ele e ele comigo". A voz foi ouvida, quando as liteiras já se encaminhavam para os aposentos reais. A mensagem foi sentida, quando as mães banhavam os filhos em outros mananciais. As portas se abriram, puxadas pelo sorriso que se espalhava e pelo desejo oculto de um exército cansado que espera a ordem de rendição. Só então eu a vi! Como a desejei naquela noite! Meus braços aguardaram radiantes sua cabeça, e meus ombros envolveram seus cabelos, que em desalinho faziam-se labirintos para os meus dedos. Onde estaria Teseu? Onde está o Minotauro? Se as testemunhas existissem no plano objetivo da ação, quem sabe eu temeria. Mas como apenas a televisão nos olhava, não havia pudor que pudesse nos impedir. O quarto fechou suas portas para tudo que o rodeava. Somente a nossa direita, a janela, em duas velas, se apresentava como os único olhar de nossos vestígios. Demonstrava assim, um outro mundo, com o qual não nos importávamos, e nem queríamos saber se era eterno, passageiro ou vão. Cobri você com meu corpo, dentro do abrigo que foi construído no espaço de um dia. Apenas olheiem silêncio, pois onde uma divindade depositou perfeição, nenhum mortal pode encontrar palavras para a descrição. Estava certo de que na quietude constante do silêncio, sobre você eu escreveria, mas não seria tolo de tentar completar sua alma, seus olhos ou sua boca. Nessa obra de simetria sem igual, fui apenas um expectador que o grande artista autorizou presenciair. Estava ali, como um homem de limites e exageros, de inteligência e besteiras, e esperei você dizer para mim que tipo de homem eu seria. Fiz colcha dos retalhos jogados, que foram amassados com as toalhas no chão, restos de uma roupa que sobrou e sobras de uma noite que restou. Fiz banquete das migalhas que caíram de sua mesa, e música com as poucas palavras que ouvi. Tudo estava acontecendo dessa forma desigual, onde alguém se entregava por inteiro, e o outro só queria um momento longe do mal. Com uma simples informação, obtida nas escadas que marquei, fiz pesquisas de amparo. Usei métodos que ajudaram a segurar minhas mãos, quando sozinho estava, mesmo tendo a certeza nítida me rodeava a multidão. Com as lascas soltas da madeira fiz minha casa e com o olhar trocado num combate infernal, fiz coração. Percebi nesse momento que não se imagina tudo, e nem se pode dizer com clareza se as coisas podem acontecer como imaginei. Fica difícil entender, mas nem sempre a ilha está rodeada pelo mar e o farol nem sempre indicará o verdadeiro porto para atracar. Mas nem por isso a beleza abandonou a ilha que se perdeu na tormenta. Sendo assim, subi motivado pelo encanto das nuvens que puxavam para seu parque os pedacinhos de algodão. Seduzido pelo açúcar que além de doce, queimava, tal qual a lenha da locomotiva, que ainda parada é carregada, contudo, não parte e espera na estação. Os passos ganharam cores, e as cores seguraram o tapete para que eu pudesse flutuar. Assim senti o vento batendo contra o rosto, e tomado de assalto, vi o sorriso ganhar a boca que você um dia ousou beijar. O calor que saia dela, subia como um vapor interessante, de horas marcadas pelo delírio e minutos relembrados pelo alcance.
A pira queimou madrugada adentro, ferveu os corpos em movimento. O fogo que criptava fazia um bom tempo, se fez de fagulhas, que lançadas no querosene explodiram em estrondosos trovões. Caiu a chuva imaginária, com gotas gélidas, formadas pela água que exalava o cheiro único do veneno. Molhada pela liberdade de poder gritar, outra vez a escuridão se fez presente. E os anjos deram adeus. E os anjos deram adeus! "Vai com os anjos, vai em paz, era assim todo o dia de tarde, a descoberta da amizade, até a próxima vez."
Estou novamente lançado à sorte de quem não quer adormecer. A solidão voltou intermitente, no instante em que levado pelo avanço das horas, devolvi seus braços, e busquei em ti aqueles que um dia foram meus. Devolvi as asas para a loja de fantasias, enquanto o único som que eu escutava, era a estridente voz do Diretor: -- Deixem agora a esperança vazia, e se desfaçam do torpor. Carreguem as festas para a luz do dia, e deixem a mesa para o degustador. Levem sozinhos o abrigo da casa, que ainda insistia buscar em ti a pena que ficou. Levem a verdade e não a pobre esperança da hipocrisia, sintam a verdadeira face da dor. Apenas deixem com o menino a sorte, a leve protegida até a morte, e devolva a vida para as brechas que a saudade tornou maior.
Enquanto o carro de Apolo apontava discreto, distante, e brindava uma nova manhã, eu levantava meu exército, e em marcha solene buscava outro afã.
Absolvo as intenções, esqueço as frases ditas pelo avesso. Esqueço as emocões , e busco apenas o que mereço. Uma vida de apostas pelo dia bom, um tapete claro com almofadas coloridas, uma barca nova com o mesmo endereço.