sábado, 25 de julho de 2009

CANIBAIS DE NÓS MESMOS


A vida me faz amar a vida. Viver é relembrar o que se espera viver outra vez.
Mesmo quando os problemas infestam nosso céu durante respingos de tempo, mesmo quando esses respingos parecem duradouros e turvam a imagem do sol, faz-se necessário reviver.
Pergunto-me: Onde o sol morrerá essa tarde, haverá espaço para dividir uma cama? Onde o vento buscará repouso, haverá uma mesa para deixar envolver meu corpo? Onde nascerão as palavras, haverá ouvidos para assoprá-las num desejo?
Quero buscá-las no seu leito nascente,
Embala-las com o cuidado de quem as adora.
Fecho o mundo num espaço de deleite.
Percebo a fome pela vontade de quem devora.

São apenas olhos contando os segredos do universo.
São apenas segredos, presos na quietude desses versos.
É apenas um olhar desvendando seu mistério.
Uma boca calando os lábios que são perversos.

Água benta enrubescida, bebida sem critério.

Abençoados sejam os fiéis.
Versada seja a santa Madre.
Ergam a taça os Menestréis.
Almoce cedo com o Padre.

Guardo-me sozinho dentro do arrepio que sobrou. Guardo as histórias nos pensamentos que se escondem dentro dos labirintos estranhos que não tem dono e se perdem também. É a força mais teimosa que está em nós, é uma pergunta que nunca se rende. Fragilidade e carência que não ofendem. É a força de um sussurro macio que se aproxima do ouvido e passa a convidar.

Costas geladas, recebendo os versos de um chocolate quente.
Beijos nas frases nunca lidas em outras poesias,
Nuca descoberta, tornando costume aquilo que não é da gente,
Mundo dos túneis submersos, versos dessas galerias.

Lábios devolvidos da mesma maneira que me dei,
Toque descoberto das mãos pequenas a interceder.
Suspiros dizem aquilo que respirando não falei,
Veludo que encantou aquilo que queria aprender.

Um segundo para decidir,
Uma visita para ganhar,
A porta está aberta, pode vir,
Eu estou aqui, venha me devorar.

A pintura de uma centelha que incendeia a forma pequena de um abraço, trouxe morena a pele macia, dourada nesse enlace. O cheiro da fantasia deixou o mundo mais real do que se podia sonhar. A realidade, mesmo que tardia, trouxe em suas pedras alegrias, e uma faísca acesa com vontade de queimar.
O delírio faz parte das emoções que se concentram, quando a boca se banha de deleite numa vontade imensa de sorrir. Hoje as noites esperam algo e por isso o céu está sempre cheio de estrelas. A vida se equilibra num fio solto pelo firmamento que estendeu o horizonte e lançou no encontro com o entardecer as notas que saíram das cordas entoadas.
Basta um sorriso, um sorriso apenas, para libertar a pena presa nos versos gelados. Não há limite no mundo particular dos anjos que guardam os anos em asas solitárias. Provando o tremor do corpo quente, percebi que há sempre um mundo dentro de nós, um verso que se equilibra perfeito, refletindo a lua, repetindo de forma nua as gotas do sereno.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

JUVENAL TOCOU TRISTE

Por que o mundo é assim? Por que as pessoas são assim? Ofereço o segredo de um universo que está dentro de mim. Divido as chances da percepção com quem tem a capacidade de entender. Aqui estou! Eis-me nesse retrato paralelo sobre uma estante num quarto de hotel.
Eis meu lado oculto, metafórico e subjetivo, construído na base daquilo que muitos não ousaram compreender e nem sonharam desvendar.
Deixei apenas uma amostra do gosto dos meus lábios na umidade da neblina que tornou a estrada insegura. Sorri com esses mesmos lábios, refletindo com minha boca a felicidade escrita na loucura.
Eis o medo que aflora cada vez que ouço os passos incertos e as pegadas mortas daquilo que está para acontecer. Mesmo que duvidem das minhas horas, busco apenas um lugar para aprender. Espero a sensação do medo, e respondo ao toque roubado quando tenho sossego. Guardo segredo. Respiro fundo, buscando dentro de mim a força que me carrega, avisando a tarde aquilo que esperei cedo.
Eis o espírito que está ansioso para se tornar real, e as lágrimas que secaram deixando apenas sal. Sal que espera para ser refinado com um simples toque ou olhar.Mina de sal, tão complexa quanto a mina de cumplicidade que descobri dentro de mim.
Viram-me descendo a encosta, mas a amizade posta me confortou e não temi. Sei que não demora e logo vem que já esteve por aqui.
Eis o desengano que se vestiu com ares de um puritano apenas para corromper meu braço fatal. Foi nesse instante que percebi o erro dos presentes e que o Papai Noel estava fora do meu Natal. Celebrei sozinho. De longe veio a preocupação que escreveu em seus ombros o meu abrigo.
Eis minha força debilitada que tantas vezes venceu, mas se viu pisada pelo fogo de Prometeu. Manderei Prometeu incendiar conversas em outros infernos, e trarei para o meu inverno um braço quente e oferecido para aquecer.
Não deixarei arder essa inquietação, e assim como me disseram lutarei para provar quem sou. Sou aquilo que nunca arriscaram entender. Sou aquilo que ninguém poderá definir. Não sou um anjo voando em busca do céu, mas gente comum que sabe o que quer.
Eis o roubo da virtude que toca seu alaúde, no formato meia pêra deixando o dedo percorrer. Podem não ouvir a minha música, mas estou certo de que alguém toca minha canção.
Eis a chuva forte que assombrou no escuro passo o toque da mão. Deitado em minha tristeza pude receber um enlaço, e sei que aguarda-me o momento certo a plenitude de um abraço.
Eis alguém forte, oculto numa flor, uma alma desgovernada que pede desesperada um ponto para descer.
Eis minha chama ardente, queimando a alma latente com um fogo que expira as últimas labaredas. O fogo se encaixou suavemente dentro das minhas intenções. Sutil, sutilmente.
Eis meus pulmões cansados e falidos, fustigados pelo alarido dos campos solitários das falsas veredas. Foi ganhando momentos carinhosos que preparei a estação para o trem das perdas. Impressões que a infância me deu, e que a juventude me roubou.
Eis a intromissão de outras vozes que não são senão algozes que fazem apenas o que sabem fazer melhor: condenar. Condenam-me por aquilo que não foram capazes de conquistar. Eu serei! Serei por mim! Vencerei!
Posso acreditar na Trindade. Posso acreditar na amizade. Posse entender o que diz meu ser pensante. Posso conquistar o mundo como D. Quixote montado no lombo do velho Rocinante.
Percebo que o azul do céu se ofereceu para transformar o cobre estendido em diamante. Percebo que o nome trocado do carinho sentido se faz presente nesse instante. E no frio da distância que é anunciada pelo vento que rebate as geleiras, repleto de uma ação com carárter afetivo pude ouvir as vozes do quintal:

Você deitou em meus braços,
E eu naveguei no seu barco.
Você saudou com suas mãos o frio,
Eu busquei com as minhas lhe dar calor.
Você numa simples voz de assalto prendeu!
Sorri diante da intenção de tremer, de tremer.

A sua força é audaz, e sua vontade também.
Quando senti o que queríamos,
É que pude me sentir bem.
Você encostou sua cabeça em meu peito
Senti seu cheiro que aparecia como novidade.

Sua boca presenteou meus lábios e eu sonhei,

Seus olhos abertos antecederam os meus.
A música tocou e tempo passou como figurante no cenário.

O escuro se mantinha e apenas uma discreta luz rompia.
Seria tarde? Seria dia?
Quando a alma está vazia, não há tempo que possa preencher.

Na magnitude do mistério que nos rodeia nós tentamos perceber,
Onde nos faltou o senso de bom senso? Como acordar para descer?
Se alto subimos e aqui estamos! Debruçados na janela da alma,
Ouvindo alguma música intensa, celebrando mais um beijo que acalma

terça-feira, 21 de julho de 2009

QUADRA 7, APARTAMENTO 16.

Uma exposição, onde os corpos prostrados diante dos quadros imponentes se apresentam como veredas latentes. Verdadeiros conjuntos luminosos de peitos ardentes.
Exposição de máquinas, que esquecidas não puderam retratar aquilo que fotografia alguma poderia prender. O gelo da timidez se desfez diante do fogo que envolvia o espetáculo altivo e determinado. Arte clássica, que das veias eternas de Michelangelo foi rebuscado. Esculpido nos mármores de Carrara, e da longínqua esfera dos sonhos, resgatado.
A embriaguez dos momentos sóbrios deixou o céu entorpecido de harmonia.
O admirador da escultura em cobre virou poeta, o poeta virou curandeiro, e o curandeiro ressuscitou Camões. Substituiu a potência interessante dos construtores, por rimas e tônicas que resplandecem os mesmos valores.
Escapam-se as ilusões, ficam as vertigens. São lembranças nítidas desse teto, que do alto do céu deixa resplandecer os pequenos buracos do paraíso. Telhado pisado pelos pés sonhadores que vaguearam uma noite a mais. A vida reencarnou no mesmo lugar. A Fênix alçava seu vôo e brilhava sob o calor celestial.
O sol, um círculo vermelho preso no alto, é aceso pelo cuidado das mãos que são deixadas de lado em favor da boca, que suplica num tom lírico de oração o sabor querido da aurora. Outros sóis se levantam, outros círculos se fazem, enquanto a música das 4 estações norteia cada aspecto sensível, submetido a libido temporal. Cada instante era constituído da estranha matéria desconhecida que forma nossos sonhos. Foi a própria doçura, que em vidros molhados pelo calor, trouxe novas respostas para as velhas perguntas, esclarecidas na tela escura que de tão intensa era apreciada com sabor.
Aproveita-se a juventude, essa nobre embriaguez sem vinho. Esconde-se a idade para ocultar a consciência. Cultua-se as taças, que já foram partilhadas com Padres, e honradas nas mesas redondas, onde os Cavaleiros das Santas Armaduras já se enterraram em amargura, e hoje buscam o tom certo dos nuances.
Eternidade com sentido reluzente, torna límpido o aguardo ausente. Um toque apenas. Uma voz de espera. A semente que a terra guarda pela sua própria vontade. Os pássaros que seguem os passos do vento, e sabem que a resposta se encontra no primeiro farfalhar das asas douradas e molhadas de suor.
Voam pela estrada que deita e se dobra diante da passagem. Reservam para si tanta liberdade, que nada poderia adentrar ao universo solto dos passos distintos, descartados sob a tutela de uma dança que ronda o amanhecer.
Sentam-se em seu próprio júbilo celebrando o pensamento que é garantido somente pela certeza de não pensa-lo. Aguardam os atores que nunca chegaram. Retomam o roteiro que nunca ensaiaram.
Constroem diálogos com risos animados, e passeiam pelas curiosidades submetidas ao desejo, como Vercingentorix a Caio Julio César prostrado, como a escuridão dissipada com um lampejo.
Desejariam que a água fria fosse por hora água quente. Desejariam ver o mundo aberto em sinais de trânsito livre, como espelhos que giram com um simples tocar de mãos, e transformam a curiosidade em satisfação, sem que alguém obrigue.
Aproveitam a vida. Consideram-na uma verdadeira infância da imortalidade. Não percebem o tempo, esse senhor das suas próprias horas e rumor das suas próprias causas. O algoz das longas esperas e das curtas demoras. Quanto mais se implora pelo retorno dos ponteiros, mais eles se distanciam, tornando as horas, apenas uma mentira, que por vaidade é mantida, nem que seja por um instante apenas.
Criam seus abrigos submersos. Sentam-se à mesa de Poseidon, saboreiam a delícia lisonjeira, da pérola escondida sob o toque divinal. Vigilantes escondem seu verdadeiro sentido. Tornam o achado, um culto celebrado ao objeto perdido, e finalmente tornam as palavras fundo para um livro que já foi lido.
Em prosas abertas de laços poéticos, aguardam a frase perfeita que por hora despenca. Em jardins de terras férteis, plantam suas rosas, colhem as orquídeas, dispensam as ervas tolas e queimam as avencas.
Assim se deu na história o mês de Julho. Foi dessa maneira que os querubins alados deixaram o paraíso e se puseram à mercê das poesias derradeiras. Assim se firmou o brado, e se estabeleceu o ritmo que acompanhou as gotas da chuva e as transformou em vertentes corredeiras.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

CONTAREI UMA HISTÓRIA...

Uma escada mágica, num tom ansioso de lua crescente, brilhando no céu azul, mesmo quando esse parece escuro por causa da noite que oculta as cores que conhecemos.
A receita de uma novidade extensa, que sempre começa com uma garganta arranhada, e a busca pela cura com remédios naturais.
O medo da guilhotina, representada pelos troncos dos portões, com sua lâmina retida nas placas que anunciam o nome da fazenda.
A vítima aguarda paciente seu último momento, deixando vazar o grito hilário que se eterniza nas rodas agradáveis das conversas noturnas. Mesas das comidas indigestas, brindadas pela brincadeira de um taco de sinuca.
O eco reverbera as notas autênticas;
O eco procura alguém para conversar;
O eco reproduz o cheiro e os gestos de quem está um passo a frente.
O estilhaço das ironias inteligentes quebrou as portas e as janelas que nunca existiram de fato. Foram cortadas pela serra de lâminas grossas, antes mesmo que pudessem ser abertas e encontrar a falha reunida, organizada, garantida nos sinais.
A serra que despedaça troncos, que faz bancos com degraus, eterniza em espaços longínquos as madrugadas invernais.
O forasteiro respeitado de olhar garantido seduziu a tentativa aberta por instantes, outrora calados no além.
Os homens cantam, as mulheres escutam;
As mulheres cantam, os homens escutam;
Quem de fato há de entoar a canção?
A tentativa aberta por instantes outrora calados no além ao forasteiro respeitado de olhares garantidos seduziu.
Os momentos transformam o mundo, o mundo transforma os momentos. A eterna dúvida é o preço que se paga pelo baile silencioso, onde todos aguardam o primeiro toque de emoção.
Santa Trindade Celestial! Eleva as preces dos humanos, aumenta as armas do seu arsenal. Convida Gabriel, com seus números e seus planos. Arranja um espaço nas tardes, recupera suas hostes santas nas partituras angelicais.
As garrafas vazias nas alturas enfurecem as criaturas. Criaturas noturnas que vagueiam sem rumo, que choram sem motivo, que dormem sem saber a hora e esquecem as fendas reunidas e organizadas, girando saltitantes de maneira salutar.
Durante o sono, as correntes ficaram frouxas. Foi o momento da reflexão, em que o pensamento forte se fazia acreditar. Correntes em mãos prontas, correntes decididas a lançar seus elos numa gargalhada de quem quer brincar.
Quando o sol ardeu a pele, e a cabeça girava sob o peso das intenções anteriores, os grilhões foram postos em xeque.
Enquanto os olhos escondidos pelo vidro escuro se precipitavam a mirar a ação proposta, o sorriso se abriu e explodiu nos braços azuis, numa representação de cuidado, repreensão e vontades mútuas.

Carruagem de fogo do viajante preciso!
Brilho dos presentes estampados.
Quartos que venderam sua mobília.
Letras ocultas de um idioma guardado.

Cores de uma mina de ouro perdida.
Campinas vivas, verdejando em outros prados;
Crianças sorrindo correm para o final do arco íris.
Montanha dos doces comidos, preteridos aos salgados.

Sono dos sonhos acordados em tardes agradáveis.
Sonhos que se desenrolam diante dos televisores ligados.
Inimigos da hora propícia, testemunhas dos corpos alados.

A cara da areia molhada elimina a perna do Saci;
Tanto faz se são portas ou janelas queimadas,
Todas elas trazem consigo o cheiro do xixi.

A pizza chegou quando as chaves da imaginação balançaram. A porta trancou-se dentro de si, ouvindo as vozes das pessoas que nunca chegaram.
Os modelos compraram suas roupa enquanto mentiam na passarela. Os créditos de uma voz rouca fingiam ser a Cinderela num bibelô sobre o armário.
Banheiros assistiram aos garçons que serviam a comida. Pés que pisavam desorientados com medo do patrão, por pouco não quebraram os únicos pratos da vida.
Caminharam os corpos pelas vias escuras. Desceram as ladeiras sem placas ou luas, e procuram o nome esquecido em alguma esquina da rua.
Alguns preferem o calor das águas que queima os braços e impede o retrato. Outros buscam o frio que pede blusas e cachecóis, entregues às geleiras do sul. Tudo, entretanto se reúne, nas veias largas e páginas compridas daquele conto escrito pela cabeça azul.
Não serve para entender, não serve para ensinar. Busca apenas em alguma esfera esquecida, a sorte ensandecida e a vontade de sonhar.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A TUBA VAZIA

Fiquei a vontade para ter vontade. Transformei meu corpo num jardim, e dei ao meu desejo a chance de ser o jardineiro. Fiz da vida tela alva e joguei as tintas para os pincéis do destino incerto. Fui o tecido do lençol de sonhos, e deitei na cama preparada pela vida que almejava me ver dormir. Abandonei o medo de ter medo, e vi que minha força apontava para outra direção. Subjuguei o aspecto sereno da sanidade, e cultuei a loucura que me satisfez. Percebi que uma garrafa de sensatez era tudo o que o mundo não queria, pois foi na riqueza da poesia insegura que ele encontrou seu saco de esmolas.
Quando estacionei meu desespero no campo de batalha, soube que precisava segurar firme o arco enlouquecido e apontar certeiro o rumo para a flecha farpada, assim me senti seguro dentro da distância de dois corpos e entendi que a ocasião é apenas um engano a mais na parede do caçador.
Dias claros antecedem as noites escuras, como sinais raros antecedem os momentos de amargura. Tranquei os sentidos, transformando-os em reféns da razão. Abri os olhos diante do espelho e não gostei daquilo que vi. Entendi que estava diante de um mistério vazio, que nada trazia de novo, mas fazia companhia e impedia meu corpo de ficar só. Rompi com as janelas que fechavam a alma, resgatei o resto do olhar aflito que buscava um momento de calma. Olhei para mim, e acordei sutilmente do sono entorpecido. Refleti o instante da realidade que sempre me acompanha. Alma plena numa verdade breve. Carreguei assim o momento único e indissolúvel, que estava sendo escrito o tempo inteiro como forma de barganha.
Inventei uma vida, e me tranquei num quarto transformando-o numa sala de cinema. Apaguei as luzes, e tudo que vi foram cenas repetidas de um universo desmoronando. Agarrei a Nouvelle Vague para contestar a sessão. Refleti o efeito do teatro multicor. Colocando uma idéia na cabeça e uma câmera na mão, senti os efeitos tardios de uma câmera bicolor. Restou-me apenas o socorro do Expressionismo Alemão.
Luz e Sombra!
Nosferatu substitui Romeu!
Julieta está morta!
O boticário lhe negou auxílio,
Foi o Dr. Caligari quem a atendeu.
Só então recorri às legendas soltas nas frases ditas pelo avesso. Elas explicaram o final da obra, e não me permitiram entender o seu começo. São como travesseiro sem pluma, onde é impossível reclinar a cabeça.
Lancei minha fúria ensandecida contra as nuvens. Fiquei com medo quando pensei que meus sentimentos de metal poderiam transformar em sombra o relâmpago e silenciar o trovão.
Tive olhos na terra dos cegos, fui louco ao invés de Rei. De que valem os olhos que ao olhar se negam, de que vale a prisão quando está desfeita a lei?
A loucura, a louca capacidade de contrariar a ditadura da razão me assaltou num beco escuro. Corri para o litoral do sol nascente. Estiquei meu corpo em palavras soltas e mergulhe no mar desconhecido sem saber nadar. Provoquei a vida, essa ironia que ultrapassa qualquer entendimento humano, tentando armar as tendas cruas, erguidas num acampamento cigano.
Não me aceito por inteiro nem descarto meus defeitos, pois são as inquietudes desconhecidas da imperfeição que edificam meu corpo inteiro. Uma vida perfeita seria a mais bela expressão da monotonia contínua, por isso, não espero pelo que está feito, busco construir a obra com as sementes da flor que me fascina. Aquilo que é humano demais, já teve em seus segredos mãos em demasia. Construí uma história virginal enfrentando com os punhos cerrados as madrugadas com pancadas de agonia.
Nunca chamei as coisas pelos seus verdadeiros nomes, dei-lhes de presente uma nova identidade. Um segredo soprado ao pé do ouvido. Como a brisa que agita suavemente as folhas, minha voz ecoava pela sua intimidade. Não me irritei com os defeitos, já que o defeito alheio talvez seja a chave para o meu próprio entendimento, e a simplicidade das coisas seja o primeiro passo para não entende-las. E abandonar o caminho das flores, é a grande oportunidade para colhê-las.


sábado, 4 de julho de 2009

"QUASE SEM QUERER"

As primeiras linhas soltam a fumaça de uma locomotiva em viagem eterna, buscando a fonte inesgotável do carvão. Está posta sobre os trilhos que superam a vaidade, e estão fixados por parafusos tão fortes, quanto às coisas que verdadeiramente importam. E assim como elas, estão enterrados fundos na terra, deixando visível apenas aquilo que é necessário, escondendo para o interessado eleito, o restante do seu conteúdo.
Essa é a história de uma viagem, que começa com o choro ouvido ao nascimento. Quando nasci chorei, talvez porque já constatava a demência do mundo no qual eu me aventurava agora. A embriaguez da harmonia celestial foi abandonada, e escutando a voz do amor, me fiz homem. Atendi o chamado para existir, e aceitei tentar compreender a incompreensão sobre mim, que sobre mim caía.
Fui tomado por um desejo sem nome, e por um impulso sem toque. Foi assim que acordei da infinita existência, e tomei a forma finita da matéria, preparando-me a vida inteira para retornar ao infinito. Este sim um dos deuses mais líricos, que deixa o romantismo para aqueles que acreditam, soando como um amor, que de tão intenso, acaba encerrando sua paixão na força do ódio dos corações que palpitam.
Pela prisão da vida, constatei que o meu nascimento trazia enraizado em si, o primeiro passo certo para meu fim. Seria esse fim um recomeço ou uma retomada do trilho interrompido? A vida se impõe como um limite para o verdadeiro gosto da existência. Existir ultrapassa qualquer sentido, qualquer conceito. É experimentar o produto do nosso passado, certo de estar preparando o sentido que será refletido no futuro do nosso peito.
Limite! Essa é a condenação para os vivos. O que eu quero dizer paira à sombra das minhas fronteiras. O real é a mais bela cópia do imperfeito, e sair de mim, seja talvez, a única oportunidade que tenho para me encontrar completamente livre, já que viver é apenas uma das muitas formas de experimentar a vida. É um estímulo às nossas idéias. O sentido do sorriso expresso em lábios abertos diante da comédia. Faz-se possível faze-lo sem expressa-lo.
Esta consciência de sermos finitos em corpo, é para nós o combustível da covardia. É o medo que nos mata devagar, quando na verdade, se vivêssemos a essência, experimentaríamos num só golpe a morte, vinda já tardia.
Experimentamos paulatinamente nossa existência em corpos, como baldes sob o teto perfurado, enchendo-nos aos poucos com goteiras de vida, quando deveríamos expor nossos sentidos ao temporal inveterado e nos inundarmos da água da verdadeira alegria.
Abandonar a realidade é a primeira medida para ouvir as outras vozes que nos contam suas histórias. Senti a intensidade da explosão, quando me posicionei no centro da bomba que foi detonada, e entendi que tudo o que possuo está muito fundo dentro de mim. Sempre vi com meus olhos terrenos, muito menos do que consegui ver com meu coração eterno. Só fui entender a sinfonia, quando parei de escutar o coro das vozes que sempre me pertenceram, mas nunca falaram sobre mim.
O sonho é mais completo que a realidade. Esta não está disposta a brindar comigo, e sim a me afogar na inconsciência. Não estou, e não sei se um dia estarei preparado para o mundo real. Desde quando o mundo ouviu meu primeiro choro, me encarrego de criar para mim as regras do meu próprio jogo. Jogo com a vida, e sei que cada dia é uma nova lida, e viver hoje, não é mais como viver na semana passada. Sobre a verdadeira vida as palavras sempre serão reduzidas. Não poderá jamais ser contada. Contabiliza-se nas eternas experiências, para as quais a razão jamais estará preparada.
Um dia, e não sei quando será, certo que vem, tento atrasa-lo na hora de chegar, experimentarei o silêncio absoluto da morte. Certo estou de que aí então encontrarei a perfeição. Estarei livre das tempestuosas imagens que insistem nos defeitos, e amaldiçoam o corpo vivo, e condenado pelo infinito, a sentir o vento sincero dessa outra dimensão.


quinta-feira, 2 de julho de 2009

ESTOU DE SAÍDA!

Esperei o compasso dos ponteiros ultrapassar o inesgotável e intransponível laço do cansaço, para concluir que havia aguardado tempo demais. Minhas mãos buscaram impor o gosto perfumado que foi levado à língua. Um engano instalado, permanente e não desfeito. Derrapou na casa que vazia agora, dera abrigo aos fantasmas. Generalizou na arte o defeito.


Transborda imaginação, refuta-se as tendências. O que restou foi a experiência direta servindo como subterfúgio, esconderijo, casamata. Repleta de bancos que sustentam a satisfação direcionada para outra direção. São as idéias do mercúrio que florescem, separam o ouro das impurezas, e criam no jardim um garimpo virgem, pronto para ser explorado. O futuro que aconteceu no passado, o fracasso mais espetacular do mundo, estrela espatifada no abismo de sua própria grandeza.


Guardou-se o fogo da vela, que não serviu para enfeitar festas. A cera derretida esperando pelos corpos molhados, compôs novamente uma imagem inteira no castiçal da igreja posta. Não permaneceu assim o candelabro, ficou ao lado da chama, e numa simbiose aguerrida, seguiu como companhia do velório. Apesar de simplório, deixava perambular alguns corpos vivos.

Enterro de uma noite que se levantou imponente, permitindo a si invocar a linha torta do realismo, brincar com o nominalismo e inventar novos conceitos. Expressão da impressão surreal, guardada sob o abstrato colorido. Letras que silenciaram. Restou a cópia não lida, escrita num papel esquecido jogado no chão de um quarto sem visitas. A bagagem dos números infinitos se foi, e não teve pressa de voltar.

Criaturas sombrias, protegidas pela aura da improbabilidade. Encruzilhadas tardias nessas escalas de rotatividade. Charutos, garrafas de bebida. Despachos parados sobre a mesa do atendente que não leu as ações do dia. Crachás ostentando fotos daqueles que não compareceram para gravar no seus cartões as horas de trabalho previstas.

O açougueiro deixou o balcão vazio. A carne não foi vendida, a carne não foi entregue. Peças inteiras abrigando o vermelho ainda vivo, aguardavam serem moídas. Queriam se transformar em penas de travesseiro. Queriam as horas longas de um tempo ligeiro.

Poesia guardada na razão pura não praticada. Poesia petrificada no projeto frio da rua urbanizada. Razão instrumental sem meio. Uma montanha de impulsos abrigadas num galpão sem esteio.

Otelo parte para o seu principado. Otelo festeja junto com os andarilhos, ladrilhos, andrajosos, corajosos. Desbravam a inconsciência perdida no superego, que se impôs como alternativa para uma lua que apenas surgia. Otelo não abandona a si, e enquanto tem a certeza do seu prazer, constroi a rota da sua satisfação. Pode ser no corpo, no espírito solto ou numa corrente de oração.


Escolhas e recortes de jornal, mostram como superamos nossos pais. Só lemos as notícias que a censura permitiu, que a mente aceitou, e que não foram rejeitadas pelas contas da calculadora que retornou ao complexo sistema de um ábaco não digital. A desconfiança de um corpo estranho e um silêncio interrompido apenas, pelas gotas curtas de um longo banho.

Sentado na única cadeira que foi posta naquela mesa, o glutão devora os doces preparados para o aniversário do centauro. Água em calda, frutas temperadas pelo toque retilíneo, repentino e constante. Deixa a imagem das dimensões lhe presentear. Percorre o pecado de seis capitais. A língua afiada em decretos esquecidos, gira agora uma rolha que bóia na superfície de um copo de vidro. Foragido nos seus deleites, bandido com seus enfeites. Espera pela madrugada que já vem, e guarda seguro o feedback de um rei, que usou a coroa da rainha, e se dispôs, embarcando nas taças do momento, a terminar com a túnica de um súdito além.