quarta-feira, 24 de março de 2010

A ALMA GRITA


Um silêncio tardio interrompido apenas pelas caldalosas correntes de sangue que seguem seu destino pela marginal tortuosa da esperança morta.
Carcaças apodrecendo aguardam o retorno das almas, que agonizantes recebem a notícia da condenação eterna.
O corpo se contorce. Cada centímetro daquele esconderijo tenta gritar. Lágrimas cútaneas molham a pele, e por cada fenda aberta brota um pouco da minha angústia. Queria que os cães me devorassem.
Minha cabeça explode! Raios de estupidez estouram a minha consciência. Uma chuva de lampejos falsos ilumina temporariamente minha residência. Suas luzes se perderam quando o temporal dos ventos fortes passou pela minha vida e desmoronou todas as paredes.
Minhas ideias se tornaram reféns da mórbida inquisição que impus como via de regra. Os anos que contabilizei num livro profano foram reforçados pelo calor do inferno que ardia.
Dentro de um enigma palpitante do desconhecido, guardei uma caixa fechada de mistérios. Pude ter certeza de que não seria surpresa se eu me perdesse dentro de mim. Eu me perdi e tentei não me achar. Fiz um labirinto com minhas dúvidas e completei meu cardápio de loucuras com perguntas que nunca quiseram questionar. Perdi a vontade de escrever. Meu bolso furado deixou cair palavras, perdeu letras e desperdiçou sentidos. Fiz um chá amargo com o doce que um dia já derreteu em minha boca.
Minhas decisões foram os gatilhos de um pelotão de fuzilamento. Soldados sedentos por sangue fresco. Algozes repletos de apetite, prontos para devorar mais um cadáver.
Meu peito foi o alvo discreto de uma carnificina lenta e cirúrgica. Tiros e depois cortes precisos, souberam exatamente como tirar cada pedaço de vida. Não pude condenar as montanhas, mas foi exatamente quando suas geleiras despencaram, que a avalanche cobriu meu semblante.
Enterrado numa cova rasa, exalando odores de cadáver fresco, vendo flores brotar do meu ventre, e com os olhos cheios de terra eu tentei dormir. Meus sonhos dividiam o espaço da minha mente, e repartiram entre si a realidade e a imaginação.
Não ouvi o relógio, que berrando, tentava me acordar. Cavei fundo o espaço dos meus pesadelos. Sem perceber, eles invadiram meus sentidos e provaram que eu ainda sentiria dor.
Ela não tardou em sua missão. Veio forte, intensa, desconhecida. As mãos das bruxas bandoleiras apertaram meu peito. Suas unhas perfuraram minha barriga e escreveram no meu estômago a sentença da condenação.
Tentar morrer, essa era a ideia que rondava cada aspecto soturno do meu enredo tétrico. Tentar morrer, uma atitude profana que encerraria numa cama o desfecho trágico de uma comédia épica.
Não consigo mais reagir a dor. Maldita seja a oferta de esperança que um dia me fez acreditar que era possível continuar a viver. Quero que essa vida vá à merda. Quero que ela se ajoelhe diante da morte imponente e peça perdão por um dia ter ousado imaginar que poderia para sempre viver. Pago meus pecados.