sexta-feira, 21 de outubro de 2011

MELANCOLIA FILHA-DA-PUTA


O velocímetro chegou a 200km/h enquanto eu corria para encontrar. O vento fazia companhia para meu peito enquanto ele ainda podia me acompanhar.  Não me importei com o combustível que dizia adeus cada vez mais depressa. Só queria chegar, encontrar um colo e receber um olá! Quis demais!
 O óleo fervia enquanto jorrava da fenda esguia, lubrificando o motor que eu fiz trabalhar. Pensei em todo o traçado da minha tarde e prometi chegar antes do anoitecer. Quão idiota eu fui ao pedir pra noite demorar um pouco mais.  Aprendi que não devo antecipar o certo para não me chocar com o acidente do acaso. Atravessei o grande rio sentindo o chão trepidar e o céu com um sol descendo livre, parecia que tremulava quando olhado de dentro do carro que eu estava. Eu corria para um abraço, para um beijo ou para um cheiro como era o costume. Não tive braços, engoliram a boca e o nariz se perdeu no som do seu volume.
O destino calado sorriu banguela pra mim. O crânio ensaguentado num turbilhão dobrado esperava pelo fim. Ossos que se dobram no buraco da terra.  Enterro da platéia afogada pela peça.  Cinema destacado no tema da conversa. Praga fiandeira que foi envenenada e envenenou. Que homem apavorado! Sozinho num bocado pediu um prato de sopa e fez da calçada sua cama de refeição.  
Não peço nada além da lógica, não peço nada além da informação. Sou culpado pela mão que esmaga meu peito? Sou culpado por ter inventado uma história que na estrada se escreveu tão bonita, mas que na chegada se mostrou inexistente? Agora me atrapalho com os dedos e embaralho minha ideia. Eu sempre aviso, sempre digo e peco pelo exagero das letras entregues. Que merda de analista eu sou. Filha-da-puta é a lamúria do meu corpo parado. Não quero círculos de fogo, eles podem arder demais num cemitério estúpido.
  Eu corri pela espera, mas a espera não esperou a corrida. Quem sabe se eu tivesse demorado mais, se não quisesse chegar à tardinha, deixando assim a noite me envolver. Mas o mochileiro das letras podres não fez valer o costumeiro horário. Esse idiota de velas derretidas deve ter engolido uma droga qualquer que lhe derreteu a razão. Não sei, não sabia, não soube! Na omissão das informações sinto o peso do passado voltando. Fiz promessas e as cumpri e um pouco de vontade talvez ajudasse a pensar em mim.
Agora me jogo nessa folha e a transformo no cenário da minha liturgia. Comi demais, tentei vomitar e não consegui. Pensei em olhar o céu, mas quero que ele cale a boca junto com qualquer um que queira  me obrigar a falar.  O único gosto que minha boca sentiu foi o suor amargo do cuidado que não chegou. Agora desperdiço os minutos tentando encontrar aquele bom humor que trouxe comigo. Vejo os minutos se despedindo conforme eu me afasto do tempo que não volta para o meu bolso. Às vezes sou cruel comigo mesmo, mas minha maldade só é má porque ela aprendeu. Sou obrigado a despejar no lixo o plano ousado que solfejou no fixo. Nesse recluso poder da imaginação é fácil desdobrar os quadros de uma galeria, mesmo sabendo que só tenho uma pincelada à disposição. Ergui no patamar as paredes mágicas e não percebi que me faltaria o sólido. Justamente na tarde que eu precisava conversar...

terça-feira, 4 de outubro de 2011

DAS TREVAS NADA SE FEZ


Tenho nos lábios vivos o gosto do último copo de sorriso. Embriagado pela poesia, apaixonado pelo cinema, empolgado por uma discussão que esses Bestas Heróis de Trapo achariam enfadonha demais. Passo minutos em circunstâncias que me custam boas inspirações. Ironizo a sátira para mastigar o descaso e torná-lo inteligível aos inertes que perdem em inteligência até para os botões da minha calça.
 Desprezo a ignorância dos imberbes que se auto-proclamaram senhores do universo. Só se for um universo de diamantes de vidro, de soluços intelectuais e cultura saboreada numa refeição digna de uma hiena. No universo deles eu cago e vomito palavrões. Afogo o último verso do poema nas minhas inquietudes para não correr o risco de ver a poesia e a prosa cometendo suicídio ao passar pelas bocas porcas que nada tem a dizer.
Mas viajo naquilo que me apetece. Viajamos pelas águas caudalosas de um rio de piche.  Bebemos as nossas necessidades como um sedento se satisfaz num Oasis após uma jornada seca, onde até seus ossos estiveram ameaçados de se esfacelar. Minha garganta só grita as frases que ela aprendeu durante sua história. Enquanto os sonolentos dormem, é no meu palco que as apresentações acontecem. O show arranca suspiros, leva multidões a um delírio entorpecente de espasmos e contrações. O rosto se desmancha nocivo num balde de alívio que provoca consternações. Meu amigo está na hora de parar.
 Nossa cabeça nos fortalece, nossas imagens nos fortalecem. Nossos sentidos nos fortalecem. Percebemos a nitidez espalhada das lembranças na folha alva que trazemos como acompanhante longínqua. Uma moeda, uma folha de papel. Alguns trocados para criar uma história que se tornará viva depois que eu me tornar um deus.
É estranho que enquanto pensamos, outros estão comendo, fodendo, fedendo, morrendo. Alguns estão saudando, suando, sovando, saindo. Faço a folha chorar, espremo o papel para tirar dele o suco que beberei como o mapa do paraíso. Torço letras, assopro tinteiros, crio de veneta algumas praças de letreiros. Esbanjo cores num embaçado de nuances que podem sombrear a minha tarde ou anoitecer minhas expectativas. É remoto, é salobro e nada apetitoso, mas é o produto das minhas espoliações.
O vicio regenerado posto sob o pedestal da virtude. O cálice abominável guardando um avental púbico exige que a noite ouça mais um desabafo das nossas bexigas, e as plantinhas recebam a chuva urinária daquilo que  melhor soubemos preparar. Não podemos lavar as mãos, as torneiras não existem por aqui. Seca-se o rosto na vaga sensação da agonia.  Vingar a intempérie do nosso juízo talvez fosse uma boa maneira de começar um auto de penitência. Seria uma “mea culpa”? Acho que está mais para uma “máxima culpa” e choramos depois de mijar na relva. Ainda bem! Torço pra não chegar o dia em que eu ouçamos o choro e sintamos o mijo.