terça-feira, 30 de setembro de 2008

Série sanduíche filosófico: QUASE DESCARTARAM DESCARTES

René Descartes (1596-1650)
O DISCURSO DO MÉTODO

A sociedade moderna foi palco de um conjunto intenso de transformações, incluindo nesse meio seus aspectos científicos e culturais. A atividade filosófica toma um rumo diferente, e reinicia um novo trajeto: ela se desdobra como reflexão e o pano de fundo é um conceito de certa forma novo: a ciência. A revolução científica deixa os novos pensadores com receio de se enganar diante do mundo. Existe a procura intensa de uma maneira que evite o erro, e isso faz surgir a principal indagação do pensamento moderno: a questão do método, que centraliza as atenções não apenas no conhecimento do ser (metafísica), mas sobretudo no problema do conhecimento (epistemologia). Até então, podemos afirmar, que os filósofos se caracterizaram pela atitude realista, e não colocavam em xeque a realidade do mundo. Na Idade Moderna é invertido o pólo de atenção, ao centralizar no sujeito a questão do conhecimento. As soluções que se apresentam para resolver tais questões estão caracterizadas em duas correntes filosóficas: Racionalismo e Empirismo
Racionalismo: Doutrina filosófica do séc. XVII que admite a RAZÃO como única fonte de conhecimento válido.
Empirismo: Doutrina filosófica moderna do séc. XVII, segundo a qual o conhecimento procede da EXPERIÊNCIA.
René Descartes, também é conhecido pelo nome latino de Cartesius (daí seu pensamento ser conhecido como Cartesiano), é considerado um dos pais da filosofia moderna. Em suas obras ele trata sobre o problema do conhecimento. É muito simples a questão: Se a origem do conhecimento é verdadeiro, então o conhecimento também poderá ser. Ele tem como ponto de partida a busca de uma verdade primeira, que não possa ser posta em dúvida. Justamente por isso que ele converte a dúvida em método (dedutivo), ou seja, é uma maneira de chegarmos ao conhecimento.
Princípios do método dedutivo:
• Evidência ou Dúvida Sistemática
• Análise ou Decomposição
• Composição ou Síntese
• Enumeração ou Verificação
Inicia seu processo duvidando de tudo, das afirmações, do senso comum, dos argumentos, das autoridades, dos testemunhos dos sentidos, das informações da consciência, das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e da realidade de seu próprio corpo, já que todas essas “impressões” são produzidas por algo, e esse algo deve ser questionado. Já pensaram se nossas impressões de mundo estiverem pautadas numa informação equivocada? Logo, tudo que conhecemos estará banhado nesse equívoco também. Descartes então interrompe a cadeia de dúvidas diante do seu próprio ser que duvida. Se duvido, penso; se penso existo: “Cogito, ergo sum”, “Penso, logo existo”. Este é o fundamento para a construção de toda sua filosofia. Mas este “eu” o qual se refere Descartes, é puro pensamento, uma res cogitans (um ser pensante), já que, no caminho da dúvida, a realidade do corpo (res extensa, coisa extensa, material) foi colocada em questão. Temos aqui uma concepção dualista, o CORPO (res extensa) e a ALMA (pensamento, res cogitans). O homem como ser pensante.
A partir então, dessa intuição primeira ( a existência do ser que pensa), que é indubitável, Descartes distingue os diversos tipos de idéias, percebendo que algumas são duvidosas e confusas, outras são claras e distintas.
IDÉIAS
• Idéias Adventícias – ligadas ao mundo dos sentidos (devem se submeter à dúvida metódica);
• Idéias Fictícias – imaginação, causas do engano.
• Idéias Inatas – verdadeiras e não sujeitas a erro, pois vêm da razão, independentes das idéias que “vem de fora”, as idéias inatas estão ligadas a faculdade da razão. Fundamento para todas as ciências. Por exemplo, a primeira idéia inata, clara e distinta é o cogito, pelo qual o ser humano se descobre como res cogitans, isto é, o ser pensante.
Claro que Descartes foi, como conseqüência de suas idéias, fortemente contestado. Mas sua importância se dá justamente no rompimento com o elemento inicial do conhecimento. Enquanto para muitos, durante a idade média, a fé fundamentava a base do saber, Descartes surge colocando a verdade na dúvida, e não mais na crença cega em noções superficiais, explicadas apenas pela força do crer.

Série sanduíche filosófico: MAQUIAVEL NÃO ERA MAQUIAVÉLICO

Nicolau Maquiavel (1469-1527)
O PRÍNCIPE

A Europa Moderna (contexto em questão) era uma conseqüência de uma fragmentação política que havia esfacelado partes do feudalismo. Muitos reinos se encaminhavam para a formação do Estado. Um conceito sociológico definido como sendo uma porção territorial, com povo, soberania, unificação de pesos e medidas, moeda própria, exército regular e governante. Mas o caminho da unidade nem sempre era fácil.Enquanto a maioria das nações européias haviam centralizado o poder, a Alemanha e a Itália ainda estavam divididas (fragmentadas) em muitos Estados, que se envolviam constantemente em disputas internas pelo poder. É nesse contexto que vive Nicolau Maquiavel, na república de Florença. Observa com atenção e interesse a falta de estabilidade política na Itália, que está dividida em principados e repúblicas, onde cada qual possui sua milícia, geralmente formada por mercenários. Dentre os vários contatos valiosos que obteve quando ocupava a 2ª Chancelaria do Governo de Soderini, Maquiavel conheceu César Bórgia, que estava empenhado na ampliação dos Estados Pontifícios e, observando a sua maneira de agir, este é considerado por Maquiavel o modelo de príncipe que a Itália precisava para ser unificada.
Escrito em 1513 e dedicado a Lourenço de Médici, O príncipe provocou algumas interpretações controversas. Primeiramente, Maquiavel é um filósofo que defende a centralização de poder na figura de um soberano. Jamais ele defendeu o poder corrompido ou a tirania. O que ele faz é uma releitura da ética, aplicando a finalidade como a clara justificativa para o meio empregado. E qual era essa finalidade? O bem comum do Estado. Então, para chegar ao bem comum desse mesmo Estado, o príncipe está legitimado em suas ações. A transformação da ética ligada aos preceitos positivos, numa ética política, é que causa a maioria das confusões. O poder arbitrário pode ser exercido, desde que em função de uma política coletiva. Nos termos tradicionais, Nicolau Maquiavel não era Maquiavélico!
Interessante perceber também que no capítulo IX de sua obra, Maquiavel veladamente aborda idéias democráticas, quando discorre sobre a necessidade de o governante ter o apoio do povo, sempre melhor que o apoio dos grandes, que podem ser traiçoeiros. O que Maquiavel está abordando, é a idéia de consenso, que posteriormente irá adquirir uma importância gradual. Para caracterizar o príncipe, Maquiavel usa as expressões italianas virtù e fortuna.
Virtù: Força, valor, qualidade de um lutador, guerreiro viril (na aplicação grega do termo). São governantes especiais, capazes de realizar mudanças, grandes obras e alterar o curso natural da história através de suas ações. Não se trata do príncipe virtuoso no sentido de bondade e justiça da moral cristã, mas sim daquele que tem a capacidade de perceber o jogo de forças da política, para então agir com energia a fim de conquistar e manter o poder (sempre lembrando que Maquiavel não apóia a tirania!).
Fortuna: Ocasião, acaso. (não está relacionada ao dinheiro, mas a sorte). Para agir bem, o príncipe não deve deixar escapar a fortuna, isto é, a ocasião oportuna. De nada serve a virtude para o príncipe, se ele não souber ser precavido e ousado, aguardar o momento certo, aproveitar-se do acaso ou da sorte, e principalmente das circunstâncias que o cercam. O príncipe pode e deve moldar as circunstâncias.
Vale lembrar também que Maquiavel se inspira na política da Roma antiga para delinear suas idéias. Roma foi a grande fonte de inspiração para sua obra. Ele admirava a forma de organização e determinação política. Por isso ele apresenta o Poder Absoluto como meio de conduzir o governo e o povo para uma Estabilidade política, e então encaminhar o governo para uma República. Isso contraria o pensamento de muitos que julgam Maquiavel um defensor perpétuo do poder absoluto.
Ética e Política: Ele faz sem dúvida uma reavaliação nas questões éticas até então praticadas, ou pelo menos, ditas praticadas. Defende uma moral laica, secular, de base naturalista, diferente da moral cristã; por outro lado estabelece a autonomia da política, negando a anterioridade das questões morais na avaliação da ação política. A moral cristã fundamenta sua essência em princípios atemporais, existentes antes mesmo de o Homem ou o Estado existirem. São os princípios do Bem e Mal, Justo e Injusto, Certo e Errado. O indivíduo está subordinado ao Estado, mas a ação deste mesmo Estado se acha limitada pela lei natural ou moral, que constitui a instância superior. A nova ética de Maquiavel analisa as ações não mais em função de uma hierarquia de valores dada a priori, mas sim em vista das conseqüências e dos resultados da ação política. Podemos entender como uma nova moral, que está centrada nos critérios da avaliação do que é útil à comunidade: Se o que define moral é o bem da comunidade, constitui dever do príncipe manter-se no poder a qualquer custo, por isso às vezes pode ser legítimo o recurso ao mal, a força Coercitiva do Estado. Mas o príncipe de virtù usa a violência porque é forçado pela necessidade, visando o bem coletivo, diferente do tirano que age por interesses particulares. Para ele então, a avaliação da moral, não deve ser feita antes da ação política, segundo normas gerais e abstratas, mas a partir de uma situação específica e em função do resultado dela.

sábado, 20 de setembro de 2008

PESSIMISTA NÃO, REALISTA TALVEZ

A única maneira de acabarmos com todos os problemas de nossa vida, é pondo fim àquilo que é responsável pelos problemas: A própria vida. Parece que essa frase está carregada de um pessimismo louco e absurdo, mas eu diria que ela é um tanto quanto realista. Baseamos nossa vida na esperança sórdida de encontrarmos a tão procurada felicidade. Depositamos nossa confiança em crenças que servem apenas como um refúgio para a alma, que não quer acreditar na solidão de nossos corpos, perdidos e lançados à própria sorte, dentro de um vazio do existir. Somos responsáveis por nossos atos, e todas as coisas que acontecem em conseqüência disso, são reflexos da primeira intenção. Construímos castelos em terrenos feitos de areia, e quando eles desmoronam, culpamos algum ser por isso, quando foi a nossa incompetência, a grande responsável pela obra mal sucedida. Nascemos para morrer, e essa verdade, pode-se dizer, é incontestável. O primeiro passo para morte é o nascimento. Vivemos uma vida tentando amar, tentando sentir, e na direta proporção de nossos sentimentos estará também a dor da perda, o próprio sofrimento. A melhor maneira de sermos fortes, é não sentirmos absolutamente nada. Claro que estaríamos destinados a loucura, mas por outro lado, também não nos preocuparíamos com isso. "Ninguém nesse mundo é feliz tendo amado uma vez", disse Raúl Seixas. E ele estava certo. O amor é o primeiro passo para o caminho da dor. Amamos com medo de nos sentirmos só. De mãos dadas com o amor, chega também a preocupação, e o medo de ver quem amamos partir, acabada ferindo ainda mais nossos corações. E a felicidade? Se reunirmos todos os instantes que brindamos nossas almas com bons momentos, conseguiremos talvez encher uma caixa de brinquedos. Conquistamos, ao longo de nossas vidas, alguns momentos que resolvemos chamar de felicidade. Mas a incerteza e a tristeza estão mais presentes, num conjunto muito mais completo, insano, porém real. O sorriso marca apenas os sulcos por onde as lágrimas correram. O brilho dos olhos festejantes, serve apenas para preparar o caminho para a nuvem escura e o anjo triste que chega logo perto de mim. Depositamos nossas expectativas na possibilidade de que as coisas um dia poderão mudar. Isso nos livra da loucura de encararmos o verdadeiro mundo. Sem cor, sem cheiro, sem graça. Estamos condenados ao fatalismo da existência animal. E os sentimentos servem para nos diferenciar de outros animais, e dentro do mito racional do ser, tentamos provar nossa superioridade. Afirmamos para nós mesmos, em nosso julgamento da alma, que há algo melhor para acontecer, quando nosso fim será olhar pela última vez para a vida, fechar os olhos e morrer. Se alguém já escapou dessa sina, diga sem demora, aceitarei assim contestações.

SUAVE

O texto abaixo na verdade é uma música. Foi uma composição minha e de meu amigo e irmão André Chrun, com quem dividi um ano inteiro de inquietações, viagens, saídas, conversas e muita experiência profissional já que ele também é Professor de História. Juntos fizemos a composição da letra e da melodia. Acho que devo compartilhá-la.

No jogo do tempo ficamos pra trás,
Na nota discreta de uma canção,
Mostrando um pro outro como é que se faz,
Caí em seus braços peguei a sua mão.

Mentir no caminho de onde eu parti,
Seus olhos fechados e eu pude entender,
Não tenho vizinhos, não moro aqui,
Passou muito tempo e eu quero você.

Não somos mais duas almas, perdidas nesse vôo,
Somos sim quatro histórias, vivendo algo novo.

A tempestade e o tempo no mundo eu deixei,
Amparo as pedras da voz da canção,
Escuto o mundo descarto as suas leis,
A água que jorra da pia no chão.

E agora do tempo a saudade ficou,
O beijo suave fará eu lembrar,
As portas fechadas na mão que deixou

Profundas lembranças, não quero acordar



PAI

Não diga que não te amei,
Só porque não chorei na tua despedida.
O silêncio foi uma maneira de expressar a dor,
E os olhos secos contrastavam com alma que pranteava sem parar.

As lástimas se deram pelo que não foi,
A dor da perda por algo que não aconteceu.
As tentativas além de frustradas foram destruídas,
Pela vontade de te entregares a solidão.

Não diga que não te amei,
Quando com rispidez abordava teu comportamento,
Foi uma maneira que meu corpo encontrou para aceitar,
Que às vezes o protegido deve proteger na tentativa de ensinar.

Amei-te a cada instante inesperado, quando sozinho aguardava o teu chegar.
Amei-te como um herói rebelado quando ouvia os passos de teu caminhar.
Amei-te pelo que conhecia de ti, e pelo que ouvia sobre ti.
Deleitava-me ao perceber que meu herói florescia na manhã e estava por aparecer.

Agora quando acordo, ancorado em esperanças de um futuro bom,
Percebo que não me verás sendo aquele que planejamos ser.
Sinto que ao partires deixaste aqui um ser em desalento,
E marcas para sempre os sonhos e a vida de teu rebento.

Recordo-me nessa hora, da noite em que te ouvi,
Nos conselhos brandos e intensos de alguém que busca ser útil por aqui,
Mas de que adiantava meus ouvidos servirem como amparo de tua voz,
Se tu não fazias o mesmo quando eu contigo estava a sós?

Volto ainda mais no tempo, quando as telhas deram o nosso sentar,
E me aconselhastes de maneira dura, mas repleta de amor ímpar,
Ali percebi que era crua a vida de sonhos meus,
E as ilusões poderiam levar ao inferno, mas não contemplariam os céus.

Não diga que não te amo quando procuro te esquecer,
São apenas retratos de uma natureza assintomática que hesita em emudecer.
E tenta buscar na sombra da tua história uma memória para registrar,
As gargalhadas e as piadas que não poderemos mais compartilhar.

O COPO DOS DEUSES

A bebida amarga foi colocada sobre minha mesa. Dei alguns goles, e de pronto descobri que meu paladar não estava suficientemente preparado. Ainda me recordava dos sabores suaves que experimentei, dos vinhedos ricos, com suas uvas prontas para a saborosa degustação. Que saudades sinto da Enotria, e de seus mares marcados pelo intenso torpor, que subia ao mais alto céu quando celebrado por suas divindades. Não importa se Piemonte com suas espumas e robustez, recebendo o grande Barolo, a lembrança boa dos reis, ou então Toscana alardeada por ser o jardim da Itália, trazendo consigo o Chianti o Brunello e deixando a doce mágoa pela ausência do Sassicaia. O que valia mesmo, eram as tardes ensolaradas, a busca pelos campos floridas na primavera despreocupada. Tudo isso acabou muito rapidamente, e no corpo ainda ausente sinto o levantar da madrugada.
A poesia, que o mundo viu romper cambaleante com os exageros da alma pensante, juntamente com a música que embalou os mais altos sonhos do aventureiro errante, foram os frutos vívidos e marcantes, que restaram de garrafas vazias nas cabeças cheias e sem anestesia. De perfumes e aromas ilustrados é que se tiram as verdadeiras lições que vida ensina. Em cabarés, onde a mesa vazia alucina, entendo para onde foi a fé que estava na cabeça infantil de uma menina.
As garrafas acompanharam os poetas. Sua companhia foi mais forte do que as letras, nas quais o pobre homem se inspirava enquanto escrevia. Os pensamentos soltos foram jogados na maré alta, e o escritor errante percebeu que nenhuma nota lhe falta, quando ao olhar a pilastra principal, observara que ela estava torta, percebera então, que já passou o mal de seus lábios, e bêbado ele exorta. Proclama a dor livre e o engano, proclama o amor e as paixões dos tiranos, numa leve doçura que mais parece um plano, de perpetuar a ternura envolta apenas por um pano. E finalmente a arte de desvendar os segredos completos, tardios em aparecer, torna rouca a voz aberta, e põe os homens a emudecer.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A NUDEZ DO SILÊNCIO

Silêncio é o que eu peço por favor. Não quero mais ouvir os intensos tambores que me fizeram dançar, essa dança esquisita, alimentada pela incapacidade de voar, tocada pelo velho apetite do prazer que não me deixava acordar. Não quero mais que os alaridos, estampidos doces, e o farfalhar das asas celestes venham me encontrar. Silêncio é tudo o que eu peço agora.Pode chegar mais perto, mas venha quieto e sem demora.
Tenho medo de enlouquecer preso a essa teia, cheia de vida e de conversas desastrosas. Preso nos rumores das vozes falhas é que eu percebo, quanto desalento, quanto desprezo, quanto despreparo. Sinto o verso firme das palavras, subjugadas ao meu desejo, enfraquecido pelo vento do temporal. Vejo que esse mesmo verso, além de fraco, não sente mais vontade de compor uma canção, uma poesia ou um carnaval. Se perdeu na imensidão daquele ar celeste e paternal. Por quantos caminhos eu ainda tenho que andar, antes de encontrar o rumo certo de um final feliz?
O velho veio outra vez me visitar. Veio para me dizer oi, com sua boca banguela e fétida que expressa apenas o número de vítimas que já devorou. Se eu soubesse como matá-lo para me tornar forte. Se ao menos eu pudesse entender de que matéria é feito seu desejo carnal e febril. Mas nada disso sei. Apenas o silêncio se dirige a mim. Atendendo finalmente meu pedido, chega o silêncio na sua forma crua, desnuda e repleta de feridas que ainda não se curaram. A cura foi mandada para longe, nem sei bem ao certo onde está. E mesmo que eu tentasse buscar outra solução, seria impedido pela minha boca, que luta dizendo não. Não posso me encontrar se não sei onde me perdi. Apenas sinto vontade de correr para um lugar qualquer que esteja a léguas de distância daqui. Se pudesse me desprender do corpo e voltar ao meu estado real, saberia onde encontro a primazia da figura eterna, o ventre original. Mas a condenação do velho me obriga a refletir.
Caminho sozinho, com passos firmes e determinados, sobre o penhasco da verdadeira identidade. Já atravessei as colinas e as montanhas que me separavam do eu , que me separavam do ser. E as vezes me indago, se realmente ser é saber o que será, antes mesmo de acontecer, e concluo que estou sendo muito mais do que verdadeiramente sou. E outra vez o silêncio caça a minha virtude.Quando a encontra, ela toma pra si, como recompensa de uma vitoriosa batalha, onde o inimigo se perdeu em suas doutrinas, e ardeu na própria fornalha, alimentada pela madeira viva da imaginação, transformada em árvore morta, jogada à própria ilusão. E o velho lenhador de sonhos, pôde trabalhar enquanto eu dormia. Pegou o seu machado, cortou o sândalo, e este enquanto deixava escapar o último fôlego de vida, perfumou lâmina que o feriu. Assim eu me perdi. Em idéias adormecidas que não conseguiram me acordar. Aguardo agora o beijo do príncipe que virá um dia, de um universo completamente metafórico, retribuir as gentilezas que eu dispensei enquanto andava pelo seu reino. Não quero um encontro marcado, quero apenas que o acaso contemplado como amigo, surja desregrado me trazendo seu abrigo. Num abraço forte do aconchego eterno, procuro a satisfação de saber que não precisarei mais temer o velho e nem o seu machado. Não precisarei mais temer a ordem silenciosa, escrita num papel manchado pelas lágrimas, que um dia foram contidas, mas que hoje demonstram que a dor é cautelosa e sempre encontra outra maneira de gritar.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

UM ANJO CAÍDO

"No princípio criou Deus os céus e a terra". E as coisas aconteceram como deveriam ser. Num ambiente onde os glutões se deliciam com suas ceias divinamente postas. A umidade fixa, é etílica, como era nas grandes festas dionisíacas e nos antigos bacanais. As propostas também são as mesmas. Tentar salvar o mundo, tentar entender o ser humano, tentar acusar a sociedade de hipocrisia é o mais alto grau em que se pode chegar nesses encontros. E tudo isso acaba se perdendo em meio aos devaneios, firmados sobretudo por aproximação com alguma idéia mais bem elaborada, dita por alguém em algum momento qualquer. "E disse Deus: Haja Luz, e houve luz". Mas já faz tempo que a luz brilhou pela última vez. Talvez no século XVIII, talvez na Belle Epoquè. Quem sabe a Primeira Guerra Mundial tenha contribuido para que a luz se tornasse forte através da dor, e do medo da escuridão. A crise dos anos 20 pode ter despertado algumas emoções. E os Beatniks? Os Hipsters? E os estudantes de 1968? "E viu Deus que tudo isso era bom, houve tarde e manhã e foi o primeiro dia".
O primeiro dia se perdeu, dentro do abuso inveterado e contumaz da perda da identidade pessoal e lógica, que um dia talvez, tenha movimentado a roda da justiça.
Abriu-se o desfile de modas. Modas comportamentais e modismos intelectuais. De um lado um menino querendo chocar a todos com sua pose formal, do outro lado a menina querendo mostrar que se preocupa com o mundo num compasso desigual. As conversas perdidas dentro de uma libido eufórica que deságua num inferno astral. Tentam mostrar que nem tudo está perdido, se visto sob a ótica da visão esperançosa parcial. Mas sempre foi assim e assim será pela vida inteira. Talvez os focos dos protestos mudem, talvez o tom da agitação ganhe uma escala maior, mas cabe sempre ao mesmo grupo, transformado agora em tribo, nos salvar dessa crise existencial. Nesse mesmo dia criado, ainda temos que encarar o bêbado exagerado, preso numa filosofia de bar. Com sua proposta induzida pelos resquícios de pólvora que restaram do tiro de canhão, envolto numa órbita secreta de trama, abuso e inquietação.
Como está confuso para ver o pôr-do-sol. Ainda mais com essa tarde invernal, coberta pelas nuvens de idéias tão quentes como o frio glacial. E os jovens, anjos libertadores, se colocam como velhos, demoníacos e acusadores, apontando seus dedos pegajosos de unhas mal feitas, à todo aquele que recusa aceitar seus planos de absolvição. Eles ainda não entenderam que esse julgamento é o da própria consciência, já que o réu, nesse caso, está dividido entre a liberdade de escolher e a comodidade de aceitar. A primeira lhe garante um nome único e um ostracismo imposto pelos "intelectuais", a segunda lhe permite a inserção de seu nome no rol dos grandes pensadores bestiais. Eis o caminho! Agora segui-o. "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!".

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A UNICIDADE DO MISTÉRIO QUE NOS RODEIA


Contemplamos de maneira inquieta a nossa vida, sem entender como os mistérios rondam o nosso ser. Desconhecemos em última análise nossa capacidade criadora, e procuramos entender o universo que nos rodeia em a mínima noça de como verdadeiramente ele nos rodeia. Nessa busca interminável, acabamos tropeçando em nossas próprias inquietações e indagações, como se pudéssemos alterar um minuto apenas do nosso percurso. Nos prendemos em idéias, que nada mais são do que pensamentos expressos anteriormente, e que por oportunismo, ganharam alguma credibilidade. Muitas vezes fazemos de nossa vida um caderno de anotações repetidas, e não damos o toque mágico da inovação, abolindo assim as virtudes mantenedoras de nosso caráter. Acabamos percebendo um dia, que a escravidão tomou conta de nossas entranhas, quando observamos que nada de verdadeiramente nosso conseguimos deixar. Fomos nesse tempo todo, apenas filhos de idéias e revoluções, mas as armas nunca estiveram em nossas mãos. Estamos cercados por ações e pensamentos inexplicáveis. Quantas perguntas! Quanta coisa ainda há para fazer!
Por vezes, apenas sentimos, outras vezes o querer sentir acaba sendo mais forte, mas o que se passa aqui dentro nunca conseguiremos entender. Pode ser insatisfação, melodia simples, poesia falha ou pura distorção, pode até ser uma imagem obsoleta do real, mas a verdade é que estamos impossibilitados de receber uma luz sobre tudo o que se passa.
Seria um exagero dividir as dúvidas de uma cabeça chata e animal. Sei que cada resposta está vestida com as roupas majestosas de uma nova pergunta, que assume uma forma cada vez mais complexa e indecifrável. O ponto de interrogação ronda minha cabeça, como o leão ronda sua presa, esperando a oportunidade certa de atacar, deixando um vazio ainda maior no vácuo de matéria escura e letra morta que insiste em permanecer, formando em mim os alicerces sólidos de sua construção.
Até penso ser possível ficar assim. Acabo percebendo que não há alternativa certa para buscar. E justamente nesse momento que o conjunto de nossas reações e emoções oscila verbalmente, demonstrando essa inquietude misteriosa das palavras, que apenas tentam, sem sucesso, explicar o vazio do existir. Se a existência se fundamenta numa base sólida, isso eu não sei dizer. Apenas posso afirmar que o desejo, muitas vezes insano, de que isso seja verdade é uma constante manifestação de esperança, servindo como ópio, entorpecendo nossos olhos com as magnitudes das ilusões reais.