domingo, 23 de agosto de 2009

JÁ ESTAVA NA HORA DE MUDAR

Entre quatro paredes de ferro e vidro escrevi partes do meu destino. Expus no leito reclinado meu lado visceral e tentei transformar em palavras coisas que não se podem dizer. Gaguejei diante de minha versão. Larguei o terno no canto da sala, e meu tom formal foi abandonado num lugar que nem sei mais. Não vou procurá-lo outra vez. Desnudo e exposto pude mostrar o que meu sonho me fez.
Viajei por vários dias, e voltei semanas no tempo, tentando recuperar o momento exato onde comecei a me perder. Perdendo a mim mesmo, encontrei o outro eu que não conhecia. Tornamo-nos amigos, e não quero deixá-lo partir. O tempo que eu tive para pensar passou rápido demais. Não consigo separar a manhã e a tarde, senão pelo fato que de manhã alguns homens procuravam outros para matar.
Durante a manhã as águas caem frias, os vidros separam os beijos. Durante a manhã me abaixo para abrir a geladeira e sinto o frio percorrendo meu corpo. Durante a manhã os lençóis estão desarrumados, as cobertas espantam o frio. Enquanto numa cama pequena, fazendo poemas consigo me cobrir de amor.
O que eu faço comigo? Recupero meu silêncio ofegante tratando com remédios doces meu peito de luz ofuscante. O capitão da fragata considera o horário necessário e traz as vestes molhadas lançadas sobre o armário. Nos cômodos de chão liso, quase caí, escorreguei no meu desejo e entreguei meus braços acorrentados e meu corpo preso.
A areia do deserto ficou desfigurada em sua forma original. Sobre ela, se encontram destroços de um quadro que caiu no chão. Os rios que encheram até a borda, secam agora sob o imenso calor. Vozes que podem ser escutadas no escuro, escondem olhos que não podem se ver, mas escondem o toque das mãos.
Surpresas são a receita diagnosticada para uma cura que parece distante do quadro real das possibilidades. Detalhes são notados tão rapidamente, que a sensação é de que sempre estiveram ali. Percepções que se escrevem numa versão alterada do que sou. Não podem repetir tudo o que digo, não dizem tudo o que eu poderia repetir. Guardam silêncio num peito que não alarmou, mas que bateu no ritmo acelerado dos minutos que correm afobados para encontrar o tempo que terminou.
Vida acesa com supostas tochas que no colapso aceso das chamas exaustas pela sensação do som invasor das trombetas inimigas, não escolhem dias certos, não clareiam a tormenta inerte. Buscam imagens da prateleira que lançou. Não sei contar os números. Acho que alguma coisa ficou pra trás. Ao alcançar o desconhecido e mesmo, que enlouquecido, posso acabar por perder toda a compreensão das minhas visões. Sei apenas que um dia pude dizer que as vi! Se eu falhasse no meu salto para as coisas inaudíveis e inomináveis, saberia que um dia tive forças pra pular.
Beijos em príncipes condenados a sapos, recuperados do pântano e abraçados pela pura e simples vontade de abraçar. Princesas que com os pés de cristal, escondidos pela meia, ganharam o trono, condenaram-no com alguns goles exagerados, e voltaram a ganhar. Troféus da primeira vez. Troféus do que nunca aconteceu. Não consigo entender como as coisas fogem tão depressa, não consigo entender.
Antes que os homens fossem mortos sob a ordem da manhã, entrei com a delicia dos meus sonhos, sob o gosto da refeição nordestina, buscando raptar a feiticeira, trazendo quem já almoçou com a batina. Procurando o toque de uma música final percebi que as notas foram perfeitas, no momento exato da ansiedade. Animados sem receio, corpos por inteiro, imaginação provada sem vaidade. Olhei meus próprios olhos, visualizei meu próprio cansaço. Pedi se podia seguir viagem, viajei desajeitado pelo seu enlaço. Óculos e vírgulas num texto surreal.


domingo, 16 de agosto de 2009

O CHEIRO SE DESPEDE, APROVEITE O DIA

Sol que te quero quente, para onde seus raios apontam essa tarde? Calor que te quero quente, para onde você foi quando as janelas se quebraram?
Noite adentro, céu de estrelas, mundo meu, paisagem derradeira. Senti o calafrio no peito aberto. Manchei o azul da vida celeste com as areias secas e tenazes do deserto.
Construí as entranhas da terra, e joguei nelas meu alívio imediato. Percebi que a noite dos sonhos é aquilo que nos anima a viver mais um dia. Sem eles muita coisa não se escreveria.
O passado é uma verdade que não fugirá jamais. Aquilo que minha cabeça guarda está protegido como um tesouro no final da jornada. Onde estão as jóias estava o coração como guerreiro protetor.
Nada apaga as escritas estrelares, nada substitui os dias reservados. O que acontece é apenas um encontro com a realidade que sempre esteve ali. O som dos segredos silencia. A cumplicidade das amizades perpetua. Os corpos morrem enquanto as lembranças vivem para sempre.
Tinha apenas livros. Tinha apenas formas e escudos. Tive apenas a audácia de desafiar a mim. Justo eu que nas sentenças iguais escrevi minhas notas, encontrei uma música diferente de tudo que já havia escutado. Som que tocou alto e cobriu com fogo o inverno gelado.
Depois de velho, senti a criança que um dia abandonei. Achei que ela não fosse me procurar outra vez, mas vi o pequeno eu me levando pra brincar. Como me diverti naqueles parquinhos! Fui criança solta pelas campinas, fui moleque travesso apostando corrida nas subidas, fui fotógrafo das águas correndo, ganhei da vida minutos eternos quando já estava perdendo.
Não há nada errado com o tudo. Tudo está bem, e no lugar em que devia estar. Eu é que desloquei meu mundo, por um instante inesquecível fui livre pra voar. Eu abandonei a sentença, eu abandonei minha segurança. Tudo que viceja, um dia agoniza. Tudo que vivemos um dia se eterniza. E na tarde de hoje são outras lembranças que vívidas tomam o lugar da história. Outros cúmplices e outras memórias.
Não tenho direito de pedir. Trouxe uma bagagem em minhas costas que não tive tempo de guardar. Não sabia que nessa viagem chamada de vida poderia nova vida aproximar. Perdi as contas e me atrapalhei nas letras. Engasguei-me com o gelo quando tomei a água do meu whiskey. Viva o sentimento das coisas que não compreendemos.
Se fosse outra vida, se a vida ao menos tivesse livre, saberia que minha cadeia tinha guardado o carinho em suas celas. Mas ela estava presa como eu. Ela guardava um segredo valioso, ela garimpava pedras em tom ruidoso.
Dorme com a lembrança dos carinhos, dorme com o gosto das amoras. Nada passa assim sozinho, nada jogará o passado aberto para fora.
Tudo está bem. Tudo está onde deveria estar. Eu que me perdi no desconhecido que sonhei, eu que me permiti ter asas pra voar. As correntes continuam segurando as lembranças, elas sempre continuarão. A vida seguirá acesa como sempre prosseguiu. As conversas trarão cumplicidade como sempre se viu.
Estou aqui para ouvir, estou aqui para falar. Só não peça para sentir aquilo que não vou levar. Sei que dessa vez contei uma história diferente para mim. A história que suplantou todas as histórias que já li. Não senti vontade de escrever outros contos, não senti vontade ler outros cantos. Silenciei no mosteiro. Agradeci ao Senhor:
Pater noster, Qui es in caelis, sanctificetur nomem tuum.
Adveniat regnum tuum.
Fiat voluntas tua, sicut in caelo et in terra.
Panen nostrum quotidianum da nobis hodie.
Et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostri.
Et ne nos inducas in tentationem: sed libera nos a malo.
Amen.
Não posso, porém, rezar sozinho. A alegria da salvação recai sobre outras almas, que talvez não acreditem tanto nessa beleza única. Duvido que busquem conhecer tão bem as palavras santas da prece celestial. Não experimentam nos lábios o gosto divino do toque divinal, mas devem rezar. Rezam para os santos, rezam para o próprio céu.
Viagens em torno do mundo próximo, viagens que imaginei serem somente minhas. Como fui criança no solo inóspito, como dirigi os planos na cozinha!
Momentos, momentos e momentos. Tudo segue o presente da hora. Momentos que passam para o portal eterno, momentos que guardam secretos a história de uma vida. Instantes, instantes e instantes. Deixam na estante o retrato do passado, abrem a porta que tocou. Partem para seu mundo do universo alado, dizem adeus porque outro instante chegou.


O MUNDO DIZ ADEUS - MANHÃ

A vida estava dando adeus. Acordei envolto num silêncio como nunca antes acontecera. Percebi o quão longe cheguei nessa batalha. Sonhos deixavam de ser sonhos. Dormir era a única maneira de trazer alívio para o peso da existência. O pesadelo começava ao acordar, exatamente no instante em que os segundos eram superados com o êxtase de se ter obtido mais um pouco de mel.
A dureza do relógio competia com a leveza do fôlego que lutava cada vez mais desanimado contra sua falta de ar. Não era isso que eu queria para mim. Não era isso que a vida queria para si. Não foram essas as cartas que embaralhei. O jogo estava na sua rodada final.
Andrajosos seres de maiúscula magnitude imploravam pela salvação. Essa mensagem de conforto tinha ficado pregada numa cruz, e os seus anunciadores estavam morrendo doentes, como todos estavam. A humanidade estava doente. Os seres humanos pediam socorro.
Os dias que precederam essa última noite que eu viveria foram dias turbulentos. A marca da tinta nos quadros romanescos do sentimento, escorreu até o chão e criou novas imagens. Diante disso, fechei os olhos buscando um mundo melhor. Gritei com as mãos nos ouvidos para não escutar as evidências de que o mundo não é como imaginei. Não consegui tirar meu corpo daqui. Não expulsei minha alma atormentada para longe de mim.
Alma presa no meu corpo. Alma presa no meu dorso. Como quis que ela fosse correr lá fora. Como quis que ela deixasse tudo para esquecer. Não posso voltar os caminhos agora, percebo que minhas asas ficaram à mercê.
Ansiava por uma queda livre que me fizesse acordar quando estivesse prestes a tocar o chão. Para onde foram meus heróis? Onde está aquele que prometeu me salvar? Nos sepulcros selados da morte viril, percebi que a fraqueza atordoa aqueles que verdadeiramente desejam lutar. Rouba-nos as últimas chances da fala, e leva as muletas tortas, que usávamos para andar.
Os principados e potestades ocultaram sua face. Asas e harpas estão abandonadas no galpão de coisas velhas. O céu silenciou. Até o carteiro que levava as preces, deixou a entrega por achar o seu trabalho inútil, e também pelo fato de que ele próprio desistiu de iludir as almas. No brilho da eternidade longínqua, aposentadorias são concedidas. Não há mais trabalho, não há mais laser. A lenha arde, crepitando na fogueira. Aquece os caldeirões que servirão o último banquete. Banquete de nós mesmos.
Parecia que encenávamos uma grande peça. Expressávamos com realismo a obra de Giovanni Boccaccio. Cumpríamos fielmente as páginas de Decamerão. Dez dias. Dez jornadas soltas pelo espaço de um tempo que se escreveu sobre tumbas e sobre vitoriosos.
Colhíamos o resultado daquilo que não plantamos. Colhíamos amigos em vozes que eram de louvor. Víamos se cumprir aquilo, que para não sofrer, jamais imaginamos. Com inocência, construí minha casinha de madeira, dei a ela um som da pura substância, e nas suas paredes pintei a sombra do que eu viveria.
Fiquei atordoado pela resposta silenciosa da ausência. Isolei as letras irônicas numa redoma cercada de clemência. Não foi suficiente prometer o espaço nobre das memórias. Não foi o bastante escrever no paraíso o conto de mil histórias. Soluços acompanham o brinde. Soluçando ouvi o tilintar dos cristais que eu não trouxe.
Pablo Neruda, que se safou da desgraça e divinizou seu nome pelas letras do coração, era relembrado agora. Sua forma atemporal de escrita podia ser invocada pelo amor ou pela dor a qualquer momento. Suas palavras diziam:

O Caminho molhado pela água de agosto
brilha como se fosse cortado em lua cheia
em plena claridade da maçã,
em metade da fruta do outono.

Neblina, espaço ou céu, a vaga rede do dia
cresce com frios sonhos, sons e pecados,
o vapor das ilhas combate a comarca,
palpita o mar sobre a luz do Chile.

Tudo se reconcentra como o metal, se escondem
as folhas, o inverno mascara sua estirpe
e só cegos somos, sem cessar, somente.

Somente sujeitos ao leito sigiloso
do movimento, adeus, da viagem, do caminho:
adeus, da natureza caem as lágrimas.
(Soneto LXXIV)


O MUNDO DIZ ADEUS - TARDE

Os cavaleiros da Fome, Morte, Peste e Guerra organizam seu campo de ataque. São os verdadeiros guerreiros desses dias. Estão colhendo as autênticas taças da alegria. Sentam-se para celebrar. Até eles brigarão em breve, pois não haverá mais trabalho a fazer.
Não me entrego sem lutar. O coração pulsa. Diante de tudo aquilo que aprendi, me render, nunca foi lição de casa. Tombarei na certeza de que lutei até ouvir o último toque da corneta ordenado a retirada.
Carrego tochas, como um campesino medieval, buscando lobisomens e feras da floresta. Não sei contra o que lutar. Está dentro de mim. Está preso em meu peito essa marca da disposição. Ilumino tardes que já são ensolaradas, na esperança de que meu fogo deixe aceso o sol e o faça uma estrela maior. Estrela maior? Ele já está condenado. Brilha como quer, e brilhará por quanto tempo sua energia permitir.
Queria brincar como criança, queria correr atrás da dança. Tinha o desejo de elevar minhas orações como um velho templário cansado de ver tanto sangue escorrer pela disputa de Jerusalém. Guardião do Templo e dos seus tesouros. Guardião das espadas que se ergueram em batalha, chamando o inimigo para o confronto final. Essa maldição recaiu sobre mim. Fui lavado pelo sangue dos mortos no céu.
Uma peste estava a solta pelo mundo. Pessoas usavam máscaras para tentar se proteger do infortúnio, essa medida, porém, pouco ajudava naquele momento derradeiro. As máscaras apenas escondiam o rosto das testemunhas desse combate final.
Cada vez mais, as mortes se tornavam o tema central do noticiário. Números omitidos, problema que não era contido. O mundo se curvava diante do invisível. O homem que completava seus 40 anos de conquista do espaço, não conseguia eliminar o inimigo que estava no ar.
Os sinais foram se tornando cada vez mais freqüentes, impiedosos. Febre alta, tosses, pulmões condenados pelo peso da contaminação. Sangue que vertia da boca após um esforço exagerado. Falta de ar, e a garganta presa como que por um garrote que vai longe apertado. Combalidos combatentes tentavam sem sucesso sobreviver. As mortes se alastravam. Espalhavam-se com a rapidez da paixão na alma romanceada.
Cemitérios não mais suportavam o número de novos moradores. Foi aprovada uma lei que permitia enterros em outros lugares. Buracos enterravam as vítimas que logo perdiam seu lugar de últimas, para outras que chegavam sem parar. A fila para o sono do descanso eterno diminuía, enquanto os olhos que se cerravam para o mundo multiplicavam-se.
Lágrimas nem bem secavam, e já voltavam a rolar. Amigos, parentes, conhecidos. Todos estavam perdendo todos. Mãos eram esticadas como que pedindo ajuda, e não encontravam outras mãos que lhes pudessem prestar auxílio. A peste se espalhava.
Os homens não mais viam seus bens e suas posses como algo imprescindível, afinal, elas não tinham a capacidade de lhes garantir a vida, e nem sequer podiam esticar um segundo do seu fôlego. Eram feitas trocas com o universo. Mas a vida despedia-se com pressa. Parecia que ela estava indo para outro lugar.
Foi tirado do homem direito de viver. Sim, justamente ele, o predador das espécies, o escritor das lista de extinção, era agora a presa sendo obrigada a contar a própria perdição. Ele tinha não só a dor de ver a morte, como também a capacidade intelectual para reconhecer que era um fraco e derrotado sucumbindo ao vírus. O homem mudou de lado.
As religiões não tinham a resposta. A filosofia se perdeu em suas complicações teóricas. A ciência se encontrava apenas com o rei, diante de duas torres, fugindo do inevitável xeque mate. Tentava correr pelo tabuleiro apenas para reconhecer que permaneceu mais tempo que o esperado.
Presenciávamos o encontro cósmico da vida com a morte. Beijos sem fôlego num amor eterno que escrevia seu epitáfio. A morte estava vencendo. Ela estava anulando milhões de anos de evolução. Ela estava anulando tudo que escrevemos tudo que deixamos. Provava pela sua audácia que o homem não é, senão uma pequena partícula no contexto dos grandes acontecimentos. Que o homem não podia controlar absolutamente nada! Justo ele que passara séculos acreditando que era a causa e a medida das coisas.
O medo impedia que as pessoas se cumprimentassem. Doentes isolados caminhavam de um lado para o outro. Não havia mais espaço para quarentena, e os saudáveis eram vistos com inveja. A infecção estava acontecendo num ritmo alucinante. O vírus sofreu mutação, e agora se apresentava mais forte. A forma mais branda de se despedir da vida, era aceitando a condenação posta sobre os ombros.
Correndo rumo ao infinito, abri meus braços ao vento, e percebi que o temporal acompanha as brisas suaves. O céu que já foi azul impõe agora seu cinza ruidoso. O que era verde, já não existe mais. Quem me dera acreditar que as coisas não acontecem de verdade. O fogo escreve seus rabiscos no rascunho celeste. Ouço um trovão. Vejo um raio.
Amanhã não é o dia separado de hoje por uma noite, mas uma expectativa de continuar escrevendo por mais um tempo a coletânea das causas e efeitos, relacionados intencionalmente e chamados assim de vida.
Com o tempo as cidades foram se calando. Os carros pararam de andar. Não havia quem os dirigisse. Os mercados e lojas começaram a ficar vazios. As pessoas simplesmente estavam desaparecendo.


O MUNDO DIZ ADEUS - NOITE



Levantei do meu leito, verdadeiro depósito da minha energia, e vi um mundo desolado. Algumas pessoas haviam resistido, eu estava entre elas. Nosso organismo nos havia condenado a relatar os últimos dias da história humana na terra. Despedimo-nos de todos, e na hora derradeira não restou ninguém para se despedir de nós.
Sobrávamos como verdadeiros acusados, sentenciados a pena da sobrevivência quando todos dela se despediam. Nossa pena era a culpa pela total destruição.
Animais nos olhavam como vitoriosos. Não tínhamos sequer a vontade de protestar. Convencidos da nossa fatalidade, certos de que não completaríamos idade, estávamos ao ponto de gritar para o maquinista, e pedir para ele parar de uma vez por todas esse trem. Todos queriam saltar do último vagão. Queríamos apenas o barulho tranqüilo de uma estação.
Como brigávamos em outros tempos. Como fomos mesquinhos na nossa ganância por gratidão. Tudo que foi feito se desfez. Não tínhamos mais músicas, não tínhamos mais som. Era o silêncio da morte que tomava uma forma acidentada de elegias e odes ao desconhecido.
Vida que te quero vida:
Tua mão foi voando de meus olhos ao dia.
Entrou a luz como uma roseira aberta.
Areia e céu palpitavam como uma
culminante colméia cortada nas turquesas.

Tua mão tocou sílabas que tilintavam, taças,
almotolias com azeites amarelos,
corolas, mananciais e, sobretudo, amor,
amor: tua mão pura preservou as colheres.

A tarde foi. A noite deslizou sigilosa
sobre o sonho do homem sua cápsula celeste.
Um triste olor selvagem soltou a madressilva

E tua mão voltou de seu vôo voando
a fechar sua plumagem que eu julguei perdida
sobre meus olhos devorados pela sombra. (Soneto XXXV – Pablo Neruda)

Era diferente viver. Os dias não eram mais separados pelos nomes. Confundíamos a dor de um sábado a noite com o cansaço de uma segunda. As semanas e os meses ficaram nas contagens antigas. Foram sepultadas no passado seleto.
De que valeu tudo isso? Com lágrimas nos perguntávamos! Ninguém havia para ouvir a pergunta. Todos morreram. Seríamos os últimos a chegar. Ao céu das celebrações e alegria eterna. Ao inferno das chamas e lástimas atemporais. Ao purgatório das crises existenciais, ou a nada que sepultou o último suspiro da chance. Para onde iríamos?
Sinto o sangue na garganta. Sinto o peso do mundo sobre meu peito. Deito na campina, minha última cama, vejo o céu e as aves que alegremente saúdam a nova estação. Contemplei a natureza viva, e a esperança morta. Consolidei meus passos na última parada. O coração ficava sonolento, e não mais batia forte, apenas palpitava preguiçoso. Dores no peito, mas não de amores experimentados e momentos desfeitos. Dores da despedida.
A vida que tanto amei, a vida que celebrei, abandonava-me agora. Ela não era a primeira a fazer isso, mas era a única partida que eu não poderia evitar.
Nunca soube experimenta-la direito, nunca soube provar seu verdadeiro gosto. Fiz perguntas demais, e não fiquei contente com as respostas. Ela sempre quis ver o meu sorriso, e eu julgava a vida por não me dar motivos pra sorrir. Ele me alegrava na perda do juízo, e eu queria diante dos seus olhos padecer.
Fui poeta de letras ligeiras, fui cantor de músicas curtas. Minha poesia será enterrada junto comigo. Quantos versos trancados na minha alma, quantas frases fiquei sem dizer. Não é a esperança repleta que me acalma, e a certeza de que as palavras estão a morrer.
Fecho os olhos e me cubro com o manto do inevitável. Não foram cenas minhas últimas lembranças, mas o som do inesgotável. O vento continuava soprando fiel sobre meu corpo. Os pássaros não se davam conta da despedida. As visitas continuavam sendo recebidas, como planos de um plano exultante, e eu, somente eu no meu universo precário dava adeus ao mundo que criei.
Comigo acabava meu universo particular, cultivado sob o sol da esperança de sorrir verdadeiro e de um dia deixar de sonhar.

sábado, 15 de agosto de 2009

REVIVER WOODSTOCK

Woodstock foi a beleza e o prazer concentrados sutilmente num evento como um grande bolo doce com cerejas e chantilly. A superação incontestável da criatividade de uma geração. A demonstração nítida de que é possível promover algo que fique para sempre escrito na memória. A prova de que a vontade é a mãe de tudo aquilo que se quer lembrar.
Foi o momento mais intenso que o mundo viveu. Surpresas que até então não tinham sido experimentadas souberam dar aos participantes uma dose de lembrança que nem as eras do gelo ou não, poderão apagar.
Poderia ser refletido pela eternidade adentro, caso fosse reproduzido no Salão de Espelhos do Palácio de Versalhes, já que esse salão sempre foi reservado para grandes ações. Lados vencedores que exultavam a hora chegada.
Gira o espelho. Gira o mundo todo ao seu redor. Mesmo olhando lúcido para ele, vejo sua superfície embaçada. Mesmo achando que é cedo, adentro aos portões da madrugada. Um reflexo de tudo o que eu quis ser, de tudo que hoje sou. Um momento em que me guardo secreto para mostrar que nesse deserto, água pura já se provou.
Corpos em sintonia com o universo em movimento deitavam sobre o chão de vidro. Esbaldavam-se nas sensações que aquelas longas horas podiam proporcionar. Foi intenso, foi surreal, foi inesquecível. Surpreendente.
Quando palavras e gostos brigam pelo espaço das bocas, pode-se dizer que a fome é insaciável. Jogar palavras para o espaço, correr para buscá-las, e trazer preso nos braços um presente para exaltá-las. Assim foi Woodstock.
Não digam os admiradores das doutrinas falsas que foi apenas Sexo Drogas e Rock And Roll. Esse olhar superficial sempre correu o risco do equívoco, já que é justamente nas profundezas do inteligível que habita a função do existir. Foi muito mais do que aquilo que ousam dizer.
Foi o sexo pela vontade de estar perto. Vontade de abraçar e fazer carinho, numa troca de experiências que o mundo não entenderia. Foi carne com peito oferecido como travesseiro. Tempo que reclamava pro tempo do tempo que passava ligeiro. Corpos sem censura que sentiam a vontade de se olhar sob a benção certa da ternura. Jovens com segredos entre si. Jovens que sentiam o prazer na conversa, que faziam de tudo para o outro rir. Depois que os dias terminaram a falta se fez sentir. Faz falta a certeza de que é possível ser feliz.
Foram drogas da poesia, feitas num tom de improviso ou buscadas nos celebrados autores, que tornavam os pretensos escritores verdadeiras feras prontas a rasgar tudo que escreveram. Eles sabiam, porém, que sobre aquele momento, palavra nenhuma teria efeito completo. Nem mesmo um vocabulário inteiro alcançaria aquele instante em que a terra podia tocar o céu.
Foi Rock and Roll na força do termo. Refletiu a intensidade de uma rocha rolando pelos precipícios nos caminhos do universo, acertando mortais que tentavam escrever seus versos. Foram músicas da noite. Músicas mandadas num tom de cumplicidade como nunca antes fora feito. Letras e canções procuradas e ouvidas como forma de dizer boa noite.
Não estive lá. Meus sonhos me conduziram aquela fazenda no Estado de Nova York. O que plantaram ali? Plantaram uma semente fortalecida pelo tempo que rende frutos saborosos. As melhores uvas rendendo os melhores vinhos. Não era Cabernet, talvez fosse uma autêntica Malbec com seu fino trato. Dando prazer ao paladar, como nesses dias concede prazer ao olfato.
Pessoas que estiveram lá, hoje se encontram no auge da sua idade. Carregam consigo olhares que guardam um segredo, cruzam esses mesmos olhares trocando informações entre confidentes. Já foram jovens loucos. Já foram jovens vivendo tão intensamente aqueles momentos, que caso seus dias acabassem ali, poderiam dizer ter valido a pena. Estiveram lá. Experimentaram Woodstock que derramava sobre suas bocas todo seu sabor doce com ação afetiva.
Trovões anunciaram a chuva! E como choveu! Baldes, panelas, lixeiras, todo recipiente possível era usado na tentativa de tirar a água que transbordava. Pessoas corriam com suas camisetas molhadas atraindo assim toda atenção ao redor. Camisetas que colavam, como uma vontade que não quer nos abandonar. As gotas quentes pelo verão do hemisfério, selavam cada centímetro daqueles tecidos. Pessoas molhadas iam à cama, sentindo que a liberdade verdadeiramente lhes dava permissão para se deitar.
Após viverem o inexpressável partiram para casa, com a finalidade de consolar o choro dos amigos. Deixaram apetrechos para trás. Partes da festa que não puderam ser levadas. Deixaram em cada metro quadrado uma marca de si mesmos. Jogaram garrafas e roupas pelo caminho, como uma forma de agradecer a terra por tudo que havia feito.
Hoje cartas anônimas resplandecem a perfeição de tudo aquilo. Nomes que se ocultam atrás de nomes como forma de esconder a face rubra e surpreendem pela força da descrição. Frases guardadas como o tesouro em um baú escondido.
Agosto de 1969, um mês que ficará pra sempre guardado por causa da sua história. Foram almas se encontrando em inteligência. Foram corpos dançando sem clemência. Danças trocadas por outros sonhos inimagináveis. Pela primeira vez o exercício foi feito. Exercício de pele, exercício de intelecto. Músicas que já tinham tocado outras vezes, mas que agora pelo torpor instantâneo da sedução, ganhavam notas repletas de suavidade celeste. Cor do céu.
A intensidade que foi Woodstock será algo lembrado para sempre e sempre. Nossa sorte é de que os sons daquele agosto continuam ecoando, e continuarão por quanto tempo seus participantes quiserem. Nada faz tão bem quanto a lembrança do que é bom.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

ALGUMA COISA FORTE POR FAVOR.

Quantas estrelas eu posso contar durante a noite? Depende quanto tempo eu queira passar olhando o céu. A vista perde a noção de quantidade, e quando menos se espera o que se vê não é mais a realidade. Diga adeus ao passo largo da saudade.
Essa tormenta que não passa deixa no rosto um sorriso sem graça, e agora penso nas corridas inveteradas pelas ruas, no calabouço da madrugada. Trancando a miséria da fome de comida viva, e fazendo-me perceber o quanto é cedo, e eu ainda nem comecei a experimentar a vida. Em pouco tempo não serei mais quem eu sou. Serei uma ventania expressa nas vidraças embaçadas, soprando o torpor dos buracos profundos que cavei com meus pés.
Procuro a sorte de um copo tranqüilo posto sobre a mesa de uma estação nova, de um verão tropical. Procuro o que sobrou de uma fruta mordida no cesto das expectativas desconcertantes, e mato a sede na saliva de uma boca umedecida por um copo de whiskey, sem gelo, e aquecido pelo calor que sai a todo vapor dos pulmões ofegantes.
Busco algum trocado para o mendigo tombado na vala comum do dia, mas não acho nada além de moedas que foram separadas para o próximo trago.
Uma bela noite de bebedeira e farra, sempre antecede um dia de orações e água mineral. É saúde paga a prestação, contemplada com previsão. A vida sem a experiência do saca rolhas, acaba se tornando uma etapa que apenas precede o sono eterno. Beba para sonhar acordado, e discernir embriagado a diferença entre o barulho de um simples som, do encanto de uma sinfonia quando está atordoado.
Gim, Vodka, Whiskey, Conhaque, uma batida de alguma coisa que não seja coração. A bebida que é apreciada nas vitórias, é necessária nas derrotas. É o néctar oculto atrás da flor da coragem, que inspira o viajante parado, e segura o paradeiro da viagem.
Dê-me um lápis e um papel e eu ganharei o mundo. Dê-me a terra e eu mostrarei o quanto o céu é profundo. Sentirei o perfume de uma flor no lixo, e acharei uma entonação distorcida nas festas da Belle Epoque.
Escrever versos, entoar poesias, declamar as sensações, pensar na intelectualidade complexa do entendimento das coisas que nos deixam absortos em nosso próprio raciocínio, são exercícios que formam seres fechados dentro da capacidade individual de contemplação. Na verdade o que levaremos do mundo senão a própria quietude diante do grito das indagações? São companheiras únicas, exclusivas da nossa própria exclusão.
Quero uma bebida para adentrar as portas da percepção. Quero derreter o mundo e construí-lo outra vez. Não importa se para isso eu tenha que chamar os parceiros etílicos das poesias livres. Tenho medo da noite e medo desses animais. Estão soltos na selva e brincam o tempo todo, fingindo serem bons, mas querem nos devorar. Saltar no pescoço descoberto e fazer verter o sangue vermelho. Escondo-me atrás das letras que eu criei, escrevo frases pelo avesso que eu deixei.
Quero a metade daquilo que inteiro me divide. Uma bebida por favor, para que o mundo se torne interessante. A bebida é a bengala de um velhinho que mora em mim, mas criança escondida, um dia voltará, aí então saberei quem sou.
Se antes o mal estar precedesse a embriaguez, nós evitaríamos beber em excesso. Mas o prazer, para nos enganar, vai a frente, e esconde suas intenções. Quando sóbrio não sei da onde vim e nem para onde vou, quando bêbado tampouco sei onde estou, é apenas mais um lugar para estar perdido. Sigo em meu pedido.
Quero ser um artista na companhia de bêbados, que somem aos seus desejos uma amizade valente, firme no volante que dirige a vida e busca um veneno para matar a monotonia que agride. A vida está nua, a vida presenteia com tapas na cara. Desperta a sintonia fina, torna fútil a palavra que era rara.
A lança do marasmo atacou diretamente os portões da sensação mórbida, estreitada por sentimentos solitários que afagam um animal. Como uma criatura libertada dos seus próprios limites, solta no desconhecido, brado, corro, arranho, grito, transpondo assim o que antes era apenas um gemido.
Tomo um copo, dois, vários copos inteiros. Bebo um corpo, o mesmo corpo, várias vezes o corpo inteiro. Ele corre se escondendo atrás das garrafas, finjo que não vejo só para procurá-lo mais uma vez. Ele se esconde, grita, para, anda, achando assim que no seu esconderijo sóbrio, a mim ele engana. É o meu corpo que estou a perseguir.
As vezes saio de mim. As vezes me persigo sem saber. Quero agarrar meus próprios pés, e fazer caminho de meus passos, e prender suavemente os meus laços. As vezes me encontro só. Seguro com minhas mãos o palpitar das emoções remotas, e me reconheço perdido, buscando o verdadeiro sentido que se encontra oculto nas cisternas rotas.


terça-feira, 11 de agosto de 2009

CAFÉ E PIMENTA COM ALTAS ALUCINAÇÕES

O choque dos sabores convidou o paladar para passear na terra da loucura. Esse pântano perdido no tempo, onde o Espírito de Deus paira no abismo. Nada é lógico e a razão se escreve na ternura.
Deus pai criou os planos da redenção. Deus filho se tornou a alegria celestial. O Espírito Santo une Pai e Filho, eternidade divinal.
Esse é o grande motivo de todo o mundo ao redor aparecer. Intuitivo, no mero desprezo pela desconhecida impossibilidade de padecer.
Vamos promover encontros inusitados? Leões passeando a solta, enquanto homens seguem enjaulados. Guarde os seus quadros.
Seqüestre o roqueiro que segue informado e de a ele um ar de funkeiro que desce notas com braços dados.
Faça de uma cadeira o palco da surpresa refletindo nas aventuras tortas que dispensam sutileza. É um corpo que se levanta, que pretende a beleza.
Quando perguntarem qual a cor da sedução, não diga vermelho como que agindo por tradição, antes responda roxo ou azul e crie assim um sinal de aproximação. Misture as cores do mundo, abra os cadeados com a rapidez de suas mãos.
Estenda o tapete roxo numa superfície, e despeje gotas de azul. Gotas cada vez maiores, que envolvem toda a cor disposta. Gotas que se espalham por cada ponto do tecido, conhecendo cada centímetro do lugar onde encosta.
Quando as cores estiverem formando um emaranhando que alcança os infinitos do arrebol, procure o escritório secreto. Seja livre, não seja discreto. Detone com dois pontos e uma arroba sua bomba no atol.
Promova uma cena entre a Santa e o Frei. Deixe-os no armário, que eles segurem a lei.Não estejam os anjos prontos para fazer companhia aos demônios. Seja a Santa Aparecida, certamente apreciada por Antônio. Os garçons ao lado da porta da cozinha já fizeram igual, hoje olham diferentes todo movimento sensual.
Nada é permitido dentro das horas de quem não pode. Com água e espuma doce, faça sorrindo o seu bigode. Viva os irlandeses! Viva os Carcamanos.
Guardanapos são bochechas. Bolo doce vira pão. Não pense que grotesca, a forma livre do poderoso chefão. Mário Puzzo me mataria. Deixe a mágica do universo seus truques escrever. Não inverta as mãos de quem chamam. Pedem para iludir você.
Dispense os restaurantes do ganho, e construa uma taberna. Imite o tom sequioso do fanho, busque seu café numa cisterna. Que os guerreiros do medievo venham saborear. Peixes e camarões à prancha, facas dispensando os garfos para cear. Quanta pernas se cruzam sob as mesas? Quantos sapos se encontram no banheiro?
Dance no espírito louco e desenfreado da desordem. Procure os quartos quando as salas já estiverem em ordem.
Numa porta aberta de guarda roupa escreva seus desejos, coloque ali suas vontades loucas. Chamando para iludir ganhe beijos, seja paciente quando as peças não forem poucas.
Não faça por intenção, aja por lealdade. Não brinque com a imaginação, ela está de braços dados com a realidade.

Pimenta: Não faça barulho no seu canto aquartelado alguém pode chegar!
Café: Como é possível calar a boca do meu lado, boca pronta pra beijar?
Pimenta: Concentrando seu deleite de paz tardia no nobre porte de um Rei,
Café: Você quieto também não ficaria se provasse os lábios que beijei.
Pimenta: Lábios?
Café: Ah, já não sei mais o gosto das horas e nem aquilo que vejo,
Bebi o suco das amoras, provei outra vez o primeiro beijo.
Joguei fora os livros de gramática, colhi a rosa por intenção.
Suave forma da temática, saudade que não segue tradução.

Sente-se num lugar qualquer, e tome uma bela garrafa de tempo. Engula as borboletas e as deixe passear. Quando a timidez rodear a boca, meus olhos poderão olhar.
Saiba sobre as verdades que importam para o jogo. O mundo gira e você jamais poderá impedir. Não tenha medo de parecer um pouco bobo. Lindos olhares profundos começam a sorrir. Isso vale a pena.

Cante as correntezas costumeiras
Assim as armas acenarão
Alegre aquela alma com anseio


Com o cuidado certo do coração
Abrace a aliança aduaneira
Antes, agora, azul, amora adoçarão.


Celebre as coisas corriqueiras e contemple cada costume certo.
A ânsia assume o adorável alaúde
Ânfora que aguarda a água, alma alva de alvo aberto.


Sorria sempre, sabendo serenamente que seus sonhos serão satisfeitos. Seu sorriso sairá sem sinal de súplica, suavizando a sedução. Saiba que os segredos surgem salvando a sensualidade. Siga os sons saudosos e saberá a soma solta da Saudade.


EU AMO MINHA MÃE!!!!

A água poderia parar de correr, a chuva deixar de cair,
E quem sabe as lágrimas seriam as únicas gotas a molhar o chão.
Esse chão seco que nem ao menos entende quanto vale sua terra.

A flor poderia não nascer, a primavera então deixaria de existir,
E somente os espinhos fariam sangrar a mão.

O sol poderia não brilhar, o dia não seria mais dia
E a noite perderia seu mistério que consiste na espera do alvorecer,
Esse alvorecer que muitas vezes nos traz a vontade de morrer.

O mundo poderia parar, caso algum louco queira descer,
Mas mesmo assim muitos continuariam sentados até a próxima estação.

O tempo que não cansa, a vida que não pára,
A sorte que se lança numa oportunidade rara
De ver tudo o que ficou para trás e perceber que do amor não se separa.

Essa minha vida poderia deixar de existir,
Acabaria então a lágrima, o sol, a chuva, a noite e a bruma.

Nesse fim, também acabaria a oportunidade do mundo observar,
Que algumas pessoas nascem, outras vivem, outras choram, outras desistem
Mas apenas algumas vencem, essa é você. Cumpra-se e que o mundo inteiro saiba.


TREMENDO TURBILHÃO


Tinha tudo traçado em tarefas,
Trazido todas as toalhas tecidas
Transformado a tina em tanque trajado
Tampouco tirei todo trajeto tocado.

Tanto tempo tardio,
Trepidando truculento
Tomando tento e
Tecendo túnicas tingidas em
Tonéis tintos.

Torrentes tempestuosas,
Trazem tudo triturado,
Tocam o tambor temperado nas
Tardes tórridas e
Temidas das touradas.

Também tentei tirar tudo que
Trazia trancado, tortura!
Tardia trazia, a textura da tontura
Trancada tentativa, e a
Tentação tentou, tentou e também tocou a ti.


domingo, 9 de agosto de 2009

DESPEÇO-ME AOS PRIMEIROS RAIOS DE SOL


Descobri que as abelhas não gostam mais do mel. Descobri que há muito elas abandonaram o gosto pelas flores. Carreguei um jardim ao lado delas, e as pequenas criaturas não se deram conta disso.
Choveram pétalas nas minhas costas, justamente quando meu corpo se aproximava do despenhadeiro escorregadio. A sensação humana de uma feiticeira pulando sobre elas, se traduzia pelo cheiro da fantasia que acompanhava a suavidade das flores. Sonhei.
Chegou a hora do despertar. O relógio chama, praticamente obriga o corpo a se levantar. Á água já escorre quente pelo chuveiro. O espaço para o banho é tão pequeno, que tenho medo de não conseguir tomar banho junto com a delícia dos meus pensamentos.
Chama ao longe a Aurora Astral. Envia os ventos gélidos para buscar a história, que já garantia sua vitória, e por isso não queria embarcar no tempo.
A história, que escondia a sensibilidade de um poeta sob um corpo forte, mostrava-se amável apenas na madrugada. Nas altas horas da noite ela respirava sua própria carne, pensava num pedido da própria vontade, e assustada aceitava mais uma solicitação do seu suor vertido.
A história que odiava a burrice das portas, que não tolerava a transparência falsa das janelas, beijava os sapos principescos e pedia a explicação sobre a Cinderela. Agora é tarde, a meia noite chegou e a Cinderela morreu. Seu corpo não pode ser velado, seria uma vergonha para seu reinado. O sapato pontilhado por cristais de gelo ameaçava derreter.
Não vá embora, fique um pouco mais, só você fechou meus olhos, lançando a pedra distante, fazendo com que eu não quisesse olhar pra trás. Percebi que nesse jardim secreto, onde as águas brotam da terra e o retrato prende um rio, torna-se infinito o céu sem razão.
Não vá embora, fique bem aqui. Sussurre doces notas e dance num compasso voraz. Faça roupa da pele, faça guerra da paz. Esse é apenas um pedido, você pode desistir. Quando minha cabeça busca o vácuo, ela só quer brincar, não foge para um barraco, nem procura a sorte pra voar.
É cedo, é tarde, é dia, é noite, é desconcertante e intenso, eu já nem sei mais! Minhas mãos estão trêmulas e é difícil resistir.
Experimente os sentidos. Aceite os pedidos. Veja aquilo que não é costume, provando agora com perfeição. Ouça o sussurro do cardume, peixe no aquário da solidão. Sinta a brisa molhada das cachoeiras. Prove o sabor da sensação. Cheire a variação derradeira, resposta do aroma que o vinho traz. História, nessa paisagem verdadeira ninguém conseguiu fazer tão bem como você me faz.
Agora é tarde para procurar as pedras e vestir uma roupa nova. Vamos para onde noite leva, carregaremos toda a prova. É exagero, pode até não ser, mas o que você sabe ninguém sabe fazer.
A noite está despertando e podemos ver a cidade. Janelas apedrejadas fazem espuma transformando o som da idade. Sobe correndo, por um beijo anuncia a ânsia da saudade.
Deixa o medo rolar pelo despenhadeiro. Que caiam os muros do mundo inteiro
E que o resto seja apenas um ponto perdido em seu espelho. Um ponto que se afasta sem saber, um universo que se aproxima de mim. Lá vem ela e posso ver. A escultura mágica se apoderou desse homem. Flores no quintal.
Demoramos tanto tempo para dormir juntos, e na hora do café, a solidão serviu a mesa. Guardou as experiências noturnas, servidas como sobremesa. Doces me fazem mal, por isso sirvo-me desse prato como banquete principal.
Não vá embora, o dia acabou de nascer, e a janela, apenas transpira o nosso suor. A mão escorregou pelo vidro, deixando o caminho pelos dedos percorrido.
Esconde-nos essa névoa de calor, atrás do torpor vergonhoso que não deixamos nos influenciar.
No jogo falso das cartas perdemos os valetes, apostamos no 3 e jogamos o rei. Resplandece a dama com seus braços torneados sua carta morena e seu corpo abençoado.
Invoco o deleite que desce pelas encostas, invoco a força retratada nessas costas. Faço pedidos para o anjo sem nome. Trago escrita a verdadeira história de um sonho.
Quero passar todos os dias pensando num dia só, escondido sob a própria pele. Quero sonhar com minha criança passada, e inventar guloseimas para me divertir. Lavar o carro do autorama, molhar a grama e poder sorrir. Comer um bolo com chocolate quente, recheado com leite condensado em potes que não merecem tradução. Respingar na camiseta da paz a dança dos pingos de um pedido na ilusão.
Não posso pedir, Não vou tentar, Já não posso subir nesses trilhos ligados. Até gostaria que cada degrau se repetisse numa imensa escada. Num prédio repleto de bocas que se abrem para ver o mundo passar. O mundo faz barulho! Em cada barulho um coração pronto para enfartar.
Devore-me tempo consumido. Devore-me ano que não acabou. Na forma de tiro estampido, uma arma nova que não disparou.
História das minhas mãos, história dos livros meus. Dentre todos que me cercam seus braços são os mais forte que vi. Os mais quentes que senti. Aquilo que por bons sorrisos me segurou.
Mas agora você foi embora, Só me resta olhar pra trás e me acostumar com o silêncio dessas noites. Esconder-me sob a mesa vazia sem pizza, e ter a certeza de que aquela porta não se abrirá mais.


sábado, 8 de agosto de 2009

FREEBIRD

Voa longe e sem medo pássaro livre. Siga a viagem que o levará aos infinitos lugares que você ainda precisa conhecer. Abraça forte cada espaço, e diga para seu coração que não ficaremos distantes de tudo. Toda Vênus um dia encontra o amanhecer.
Voa cheio de vida e reflita nas suas penas a luz do sol dessa manhã tão cinza.
A tempestade da angústia é apenas uma dor que vem ao pensar por si mesmo. Saia do esconderijo e brilhe como único, sabendo que um sol apenas, poderá trazer duas manhãs e que as tardes que julgamos incontáveis são travesseiros com gomos de romãs. Não mude a direção. Busque as rotas que o levarão para o calor, nesse inverno do sul.
Deixa de lado a proteção do ninho farpado e sombrio da semente. Saboreie o gosto perfumado que ainda está detido em suas penas. Cultive mais essa lembrança. Passe longe dos ritos intoleráveis dos seres clementes e alivie o peso da sua embriaguez nos telhados das casas em novena.
As estações mudaram, e um bom ano passou. As uvas foram espremidas no sudário, e a ânfora do vinho derramou. A vida acerta tudo sem mácula. A vida sempre foi um desafio que não aceita empate. A vida sempre acerta, o tempo dessa vez que errou.
Você está indo pra casa bom amigo. Quando eu quiser lhe ver vou olhar pra dentro de mim, assim saberei que cuidando de você, cuidarei de nós dois. O vento leva você, o vento leva tudo embora. Leva os abismos, leva as florestas. Leva a própria fé que destrói os dragões dos dias desleais. Não sobrevoe a usina Nuclear.
Segue com os anjos na paz que eles podem lhe dar. São os namorados das fadas que em outras vidas passadas me beijavam pela manhã. Agora me acostumei com o eco que serve de herança para ilustrar o testamento do peso desses dias e tardes. O verão acabou tão cedo que eu não percebi. Fiquei como alguém fazendo companhia pra ninguém, admirando de perto a distância e enfrentando a coragem lavada pela covardia da criança. O que você me diz Frank?
-- “You´re learning the blues”, mas Frank também diz: “Don´t let the blues make you bad”.
Estou certo de que a usina nuclear não deixará a guerra começar.
Agora que está longe, posso ver suas asas. Como elas são bonitas! Como elas são fortes! Nada o impedirá de voar. Bata forte as asas amiguinho, o mundo que o espera é maior que um passarinho.
Caso sinta que alguém olha pra você, saiba que é a lua da noite, o sereno da madrugada. Apenas siga com toda a calma do mundo. Seu corpo alimentará seu espírito, seu espírito trará louvor à sua mente, sua mente repousará em meu corpo, e assim seremos dois. Fala baixo o que sente, deixa o resto pra depois. Não chamo de demente quem não tem o que fazer, descobrimos encostados no secreto, a inocência do prazer.
Encare esse desafio final. Não coma mais do que puder mastigar. Não ria alto demais para não acordar a tristeza, ela tem sono leve e sua cama chama-se leveza. Faça tudo, e faça do seu jeito. Você levará a certeza da batida cumprida, ou dor da ausência estampada no peito.
Voa longe e sem medo pássaro livre. Saiba que existem muitos formatos, que só trazem tintas nos seus braços, não trazem invenção. Tudo aquilo que querem e sempre aquilo que desprezam, é uma lâmina sem fio refletindo aquilo que são.

OM MANI PADME HUM

Corre agora em passos curtos e passadas certas para o espetáculo das cortinas que se abrem, enquanto o vento lá fora assovia de algum andar. Corre para o mundo nostálgico dos gregos e de suas pífias das sabedorias marciais que buscam colos para serem embaladas como crianças artificiais. Se Leônidas não fosse tão herói, talvez seu heroísmo fosse perpétuo. Isso sempre foi Esparta. Esparta sempre foi a letra forjada da própria Guerra. O poço que aguarda com sua densa escuridão as vestes dos homens nus. Aguarda os homens que ousaram respirar acima de Áries.
Os olhos se espalharam pelas luzes que refletiram Atenas. Guardaram as sementes e esperaram pelos frutos de suas colheitas. Ano sem frutos. Azeitonas que rolaram pela terra seca, e não apeteceram o paladar do Olimpo.
Não foram pedidas oferendas, não podem se queixar os Arcontes. Não foram prometidas chuvas, não podem secar os montes. Azeite para o moribundo perdido na vala. Letras para compor o ode daqueles que venderam a fala.
As esculturas do Paternon em baixo relevo, sempre foram assediadas por pretensos autores. Assinaturas sem mãos apareciam e cravavam sua insígnia na alva veste sacerdotal que seguia curando. No esplendor clássico do momento, se levantaram vários oradores. Desde a defesa posta diante da retórica, até as Catilinárias em suas cenas históricas, tudo passou percebido por Urano.
Iluminada a sorte à própria senda. Liberta os braços da morte de sua oferenda. Quando as águas puderem tocar o céu, todos saberão que é no horizonte a escrita incômoda das nuvens de fel. O sino do relógio tocou! Seguro em seu pêndulo, o guardião troca de guarda, abandona o velho Péricles, e busca Brutos no Senado. De que valeu Cipião? Bendito tardiamente seja Aníbal e toda sua Barca.
Nos recortes que a experiência prova, sempre existe um ardil que se renova. Nas histéricas ruas do medo, sempre guardam os homens em pequenos potes seus segredos. Em tempos de paz os filhos enterram os pais, em tempos de guerra os pais enterram os filhos, já em tempos de poesia todos podem enterrar a todos.
O coveiro se lança triunfante sobre a vitória! Sabe que mais uma vez concluiu seu trabalho do lado de fora. Ele jamais pensou em dar boas vindas aos que chegam. Cultiva o dom de dar adeus aos que partem e assim como seus planos, isso faz parte de seus melindres. Cultiva um toque em terras férteis, muda a ocasião que transforma os planos. Abre as pistas que ficam inertes, constrói no horror a sorte dos seus enganos.
Caixões em caixas de papelão. Caixas vazias sobre mesas e cadeiras de lata espalhadas e esbarradas, aguardam algo de interessante para se encher. Enchem-se de lacres arrancados. Aguardam o veredicto pronunciado.
Candidatem-se sensações de trechos obscuros, candidatem-se salas brilhantes do cinema escuro. Tudo cabe dentro da porção infinita das possibilidades dispostas a ocupar esse espaço! Tudo cabe na fumaça respirada pelas cinzas na hora do seu cansaço. Amém ao raio no vazio escuro.


sexta-feira, 7 de agosto de 2009

NECESSIDADE

Uma madrugada de alentos e tempos tão ligeiros como o próprio pensamento, que confabulou consigo mesmo uma nova forma de encontrar uma ampulheta de areias infinitas. São sinais de que a vida é a surpresa itinerante que carregamos conosco, e que cada parada pode trazer um refrigério para os passos já traçados e para o caminho já percorrido. Afinal, as sensações carregam os homens como pernas invisíveis e renováveis.
Beijo o véu da madrugada com o toque sereno dos lábios que pedem mais. Beijo a madrugada como um penitente que subiu as escadas de uma grande catedral, que agora se tornou agora seu hotel, e encontrou a santa, divinamente posta e pronta para abençoar. Sentada nas escadas, aguardando o pecador chegar.
Lábios gananciosos que ardem, que incendeiam sua própria carne pedindo para que a noite se estenda, e que o alto envolver da lua traga um pouco de frescor. Uma Santa que estende suas mãos e deixa beijar, retribuindo uma oferenda que o fiel lhe deu.
Camas no quarto dos sonhos, enquanto a cabeça deixa rodar os vários filmes que carregam a memória. Lençóis se desenrolam e se abrem como cortinas de uma janela que anuncia o paraíso. O inferno torna-se o fogo que a lua jogou no sol, e as águas são o poço onde a a cabeça afunda para refrescar a consciência de que a madrugada logo se despedirá.
Adentrando ao jardim dos sonhos proibidos, a busca pelo desconhecido se torna real. Aventura como frescor dos ventos do bem querer, aventura que acena para a inocência perdida, deixada de lado em prol do saboroso temor de que a noite está acabando. Refrigério da ingenuidade, envolto pelo ar quente dos corpos que se aproximam na distância de uma noite.
Respirações turbulentas, olhos que se cruzam como cavaleiros em batalha, quando o corpo jaz deitado na campina verdejante abraça com toda a força a oportunidade que lhe escapará quando a hora chegar. Cavalo real de Dom Quixote que leva em suas costas a princesa quando ela está cansada. Seguida pela aia que de longe reclama da distância que se criou.
Um jogo de sentimento que pode levar a loucura. Uma loucura recebida como penitência santa, pois só a lembrança de cada instante seria o suficiente para aceitar a entrega da sanidade. De que adiantaria a razão de uma vida sem aventuras? Assim é melhor entregar-se a loucura e à espera sublime dos corações. Ninguém andaria até os confins da terra apenas pelo toque da carne. Ninguém abandonaria sua esfera segura por um peito sem saudade. A saudade se forjou no abrigo quente e vermelho de um peito que palpita com frescor.
E esse tempo maldito diz adeus. Esse tempo maldito reserva para si o gosto de ver a sensação do presente se distanciado cada vez mais. Não são pelos risos, nem pelos pensamentos que voam em todas as direções, mas pelo prazer de lançar as mãos e os pés numa corrida desenfreada pela surpresa guardada. Sim, é isso que faz tudo passar tão ligeiro.
O toque reverenciado dos lábios abre as portas do infinito. Transforma em ouro a pedra de granito, e torna rico cada anoitecer. Lembranças que se transformam num esforço que é impossível esquecer. Assim a alma se presenteia, se ilude, se perde e se ganha ao mesmo tempo, numa premiação de vitória, de sabores e de dores que não fazem sofrer. Viva Camões estendido nas camas que as fotografias ocultaram e que a lembrança eterniza em cada olhar.


quinta-feira, 6 de agosto de 2009

VENI VINI VICI



Uma fantasia que se perde quando a noite chega. Uma fantasia que reflete a própria extensão das suas virtudes nas campinas verdes das cachoeiras escondidas. A face remota das circunstâncias escreve com letra de carne o testamento que vida não hesitará em experimentar. Aconchego num braço, deleite no além. Mundo das mágicas guardadas em cartolas que apareceram sem avisar.
A própria feiticeira que após ter deixado a poção mágica, se mantém viva na sensação perceptível do entendimento, se levantou com pingos brilhantes nos olhos, compondo uma verdadeira mina de esmeraldas.
A lua dessa vez se impôs como magnânima de um céu que sequer levantou a voz para contestar sua rainha, que majestosa brilhava como um olhar de felicidade diante da surpresa recebida. Era tão charmosa em sua forma feminina, que dispensava um segundo olhar. Crescia e parecia que entrava enfim numa existência eternamente interessante. Cada minuto, dos poucos que me eram concedidos, continha um êxtase, um luxo radioso de sensações que ficaram guardadas tão intimamente que só eu poderia encontrar.
O cheiro secreto ainda está em minhas mãos. Sinto o perfume desvendar cada centímetro de minhas palmas. Ele percorre a linha da vida, se estende sobre as falanges, toma conta dos meus pulsos. Faz-se mais intenso do que o sangue que percorre meu corpo. Minhas mãos postas em oração estão abençoadas pelo aroma suave. Sinto como se elas tivessem tocado o céu. Ultrapassaram as nuvens de algodão doce, e trouxeram a suavidade do doce açúcar num pote de ouro entregue pelo duende protetor. O céu ficou sobre mim com seus anjos de formas perfeitas. O céu estava sobre mim como uma deliciosa sensação de surpresa quando eu, com cartazes postos em branco, amassava as cartolinas, rolando sobre os sonhos que pareciam reais demais para um mortal de anos contados.
Sentindo o cheiro melódico dessa suavidade, desvendei os segredos da história, e entrei como um Cavaleiro Templário nos arredores de Jerusalém. Senti-me como uma testemunha ocular da Idade Média, quando ela já baixava sua guarda, e apresentava as crises da fome, da peste e guerras. Senti-me uma fera apocalíptica de várias cabeças, usando apenas uma para pensar, enquanto as garras da ocasião perfeita aprofundavam suas impressões.
Quanto vale um cheiro? Quanto vale um prêmio? Guardado nos recônditos secretos da sensação, está a paz de um espírito que não se entrega sem lutar.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

APENAS UMA MENINA

Seus gritos são a chave que trancam dentro de mim o silêncio recluso. Torno-me freira, guardando suas confissões não professadas, suas cordas de violão jogadas na lixeira. Seu confessionário esquisito, suas próprias indagações com respostas distantes daquelas que você resolveu dar. Não me culpe pelas coisas que fez. Eu não sou espelho que reflete seus anseios e seu querer.
Calo-me não sei por qual motivo. Pena ou dó talvez, por ver uma alma tão atormentada pelas próprias ilusões, e lançada num labirinto de interrogações. Por que não olha um pouco ao seu redor? Querendo ganhar as coisas que nunca teve, está perdendo aquilo que defendeu sua voz, aquilo que será sua marca e perpetuará sua eternidade.
Grãos de areia escapam entre seus dedos, e sem perceber, sua mão está ficando vazia. As possibilidades de alegria foram lançadas ao espaço infinito das inquietudes, e o vento veio trazendo a resposta tardia. O temporal se ergueu, relâmpagos e raios trouxeram a tempestade numa noite invernal. Estremeceram o céu com seu retumbante estampido, mas logo depois calaram-se, quando o torpor da alma etílica se entregou aos cuidados satisfeitos do rei do mundo dos sonhos.
Dorme agora, dorme em paz. Está sendo assim todas as tardes. Seu sono traz a paz de espírito que busquei em algum momento do dia. Dormindo silencia o julgamento, dormindo sentencia a própria causa e aprende a não concluir verdades sobre os outros, inspiradas no temor da descoberta das suas atitudes remotas.
Onde habita o pecado de um sorriso sincero? Onde está a mácula de uma amizade pintada no arco íris? Onde está o cheiro do veneno, quando é a pureza que venero?
Quando eu sonhava meus sonhos infantis, em meu olhar brilhava o desejo de sempre estar ao seu lado. Algum dia, porém, seu lado se mostrou humano demais, e eu descobri que o super herói tinha fica preso dentro do gibi. Dormi ao perceber que a desilusão me deixou de olhos fechados.
Assim fui enchendo meus olhos de lágrimas. Anoitecendo dentro de mim justamente quando eu queria que despertasse o dia. Perdendo algo maravilhoso que nunca tive, sentindo por instantes curtos o gosto absoluto daquilo que nunca provei.
Como quis que você me notasse. Como quis ser tempo no seu relógio lotado. Quis ser a intenção no seu peito cultivado. Quis provar que nessa esfera perdida das tentativas, você era algo que eu tinha ganhado. Eu não me perdi. Você fugiu de nós.


segunda-feira, 3 de agosto de 2009

VERSOS DE OUTROS VERSOS

Sempre quis provar que não precisava provar nada, assim eu tentava mostrar para os outros que a explicação para o que eu sentia estava muito além de mim. Esperei alguém me chamar, e me fazer acreditar num sonho, acreditar numa história. Encontrava um abrigo naquilo que eu esperava. Às vezes mentia pra mim mesmo e acabava sendo o pior dos mentirosos. Enganando-me com palavras superficiais, mergulhei nas profundezas das dúvidas que se despediram daquilo que poderia respondê-las.
Não sei o motivo das coisas, não sei como elas acontecem. Mas elas me fascinam com seu jeito de ser. Quando menos percebi, estava esquecendo das explicações, e sorrindo sozinho a tarde, aguardando o dia surgir depois de uma noite bem ou mal dormida. Esse sorriso me conquista quando aparece sorrateiro querendo não querer. O acaso faz por mim o que a razão nunca fez. Ele pede para que eu arrombe a vida, invada cada centímetro do futuro, e não peça permissão para voar. Nesse mundo complicado, em que as pistas estão sempre cheias de regras, meu aeroporto se fez num espaço livre, e sei que posso fazer o que me faz bem. Posso brincar de descobrir desenhos onde os outros viram apenas riscos, posso transformar meus pesadelos em sonhos infantis. Posso criar jardim de simples ramalhetes.
Vejo sozinho o que outros gostariam de ver, e eu sei mesmo sem querer saber, que você vê o mesmo que eu. Não importa se foram 8 ou 12 palavras, traga mais duas, faça vinte e duas palavras. Não importa se ainda serão 40, 80, 90, o quanto não sei. Importa a delícia envolvente que se manifesta em cada despertar. Juntos vemos um mundo colorido sem portas ou janelas. E num tom de azul que encanta o universo, se desenrola o pergaminho que traz da alma a poesia nerudiana.
Podemos ser brindados pela deliciosa margarina derretendo, enquanto ocupa com o seu calor todo o corpo da torrada, ou ouvir o bom dia cifrado de Elvis nos brindando, diretamente de Las Vegas, fazendo o mundo esquecer que o homem chegou a lua. Para que lua, se as estrelas ganharam o dom de controlar os mares?
Os versos parecem repetidos em suas palavras, mas existe por acaso alguma palavra que ainda não tenha sido dita? O que existem são sentidos que ainda não foram atribuídos, explicações que ainda não cursaram seu périplo total de situações.
O que preciso é apenas atenção. Essa atenção dirá para mim quem sou. Essa atenção me fará perceber o que eu não gosto, e me fará desejar o sabor ingênuo daquilo que provo. Você ficou com a minha música, provamos juntos o som das melodias.
Nunca se chega ao bastante, sempre se quer mais.
Aproveitar o primeiro momento pode ser guardar para si a lembrança da última chance.
Isso é um tesouro!
É a riqueza oculta aos olhos de quem não quer ver, ou não sente a alma lapidada o bastante para perceber que o sol está dando bom dia todas as manhãs.
O sol brilha do alto do seu esplendor e assim consegue transmitir calor, para quem aceitar seus raios, e estampar no peito o reflexo de mais um dia sem nuvens. Assim diremos adeus a dor, pois o desejo de todo sofredor é encontrar algo que possa lhe garantir ao menos um minuto de prazer. Quero apenas uma chance pra tentar viver sem dor. Deita aqui perto de mim, e com simples palavras versadas, ouvirei uma serenata representada, justamente por você que nunca falou muito.
Aquelas coisas metafóricas querem dizer algo que todo mundo sabe, mas as pessoas não percebem, justamente por estarem envoltas em mesquinharias que as tornam órfãs de sentimento. Fazem perguntas demais, e esperam respostas que eu não tenho. Não brigarei por causa disso. Apenas devo dizer que já me acostumei a encarar seu rosto, a ouvir sua voz, a ser despido pelo seu olhar. Isso me faz sempre tentar encontrar uma forma de resolver suas indagações. Acompanho você me acompanhando, só assim percebo que não estou só. Será que isso tudo não é nada do que estou pensando? Se não for, ligarei o sinal de alerta, e saberei que isso pouco importa.
Quando olhei pra frente, pude ver um dos mais belos quadros que as circunstâncias criaram. Até quis evitar, mas não pude reagir. Vi a locomotiva cruzando o caminho, onde o menino até então soltava pipas, e agora precisava guardar os brinquedos e parecer um homem adulto. Nessas circunstâncias, o melhor seria não resistir e se entregar ao espaço nítido das emoções guardadas. Tolice seria guardar todos os medos para viver a vida sem aventuras. A loucura de procurar sorrir é apenas um alerta que diz que a razão não é o melhor dos ingredientes quando queremos experimentar o mundo seguindo num trem azul.
Um desenho de traços perfeitos. Um desenho que imaginei, consertei, e que fiz como quis, só para poder ficar olhando sem temor. Flores de um jardim plantado nas margens dessa rodovia que chamamos de vida. Flores em vasos singelos e frágeis, intocados. Flores como amor-perfeito, quando ainda podia passear livremente pelas esferas do pensamento subentendido, e agora flores não-te-esqueças-de-mim, quando ser importante para você, passou a ser uma das coisas que eu mais quero.
As intenções não são como parecem ser, elas sempre escondem aquilo que mais querem. Por isso precisamos acreditar que sempre há como aprender a ser melhor. Mais uma dose, é claro que eu tô afim. O feitiço jogado sobre a vida nos faz bem. Ele demonstra um prazer distinto, uma sensação desconhecida. Algo que sempre se quer, algo que se quer bem. Um tudo guardado na menor partícula do tempo, que inteiramente lançado na memória, se transforma naquilo que mais gostamos.
A ceia está posta no Éden. Caminhando com o cesto de frutas, chapeuzinho vermelho se encontra em perigo. Ela vai pela estrada, buscando emoções e despertando os sentidos. O banquete tem frutos proibidos. O anjo traz a espada para expulsar. Em sua boca uma folha de hortelã, que refresca suas palavras, reflete em suas asas o céu, e o faz mirar determinada a maçã. A chave do pecado está entregue. Á água pura se tornou veneno. Não foi transformada em vinho. Mas é nela que os convivas querem se embebedar, se esbaldar. Querem se lançar em encanto, em canto, em coro celestial, nos quatro cantos do carnaval. São os olhos do futuro nas taças dos olhares profundos. São o esporte, contando em cenas pelo livro aberto. São a sorte, encontrada apenas quando se fez a escolha. São para sempre, como tudo aquilo que se guarda. São a expressão das mãos dadas em sinal de amizade, deixando sucumbir a vontade. São o antes, com a garantia de que alguma forma inexata e imprecisa virá depois. São os raios do calor que dispensam a coberta num dia frio.
“Feche os olhos, esconda o sorriso, e bendiga ao Senhor: Cordeiro de Deus que tirai o pecado do mundo, tende piedade de nós, Cordeiro de Deus que tirai o pecado do mundo, dá-nos a paz”