segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O DESENCONTRO COM A VIDA


Sonhei que morria lentamente. Despedia-me da saudade para respirar sem o peso da mágoa da despedida. Percebi quando o ar deixou de ser prioridade para os meus pulmões, e eles apenas queriam experimentar a substância do próximo passo. Senti a dor lacinante do peito vazio, quando por um instante não consegui absorver a atmosfera que me rodeava. Congelei minha expressão, e deixei nessa hora um anjo me carregar para a sorte tranquila de uma serenidade almejada.

A vida dava adeus para mim que sempre reclamei dela. No curto espaço entre as perguntas e as análises, tentei deixá-la ser um pouco de si mesma. Construí tantas formas que esqueci qual era a minha, e sendo assim não pude provar de mim mesmo por desconhecer o gosto que teria.

Nunca experimentei a essência daquilo que disse. Preguei a felicidade numa cruz e deixei-a sangrar paulatinamente, até o instante em que o coração parou de pulsar. Fiquei deitado com minhas mãos cruzadas, sentindo ainda uma insatisfação constante. Ela rondava o caixão sorrindo, fazendo brilhar seus olhos para mim, e condenando-me ao sofrimento. Sofrer para pagar o sofrimento que impus como regra.

Levantei a cabeça e nada havia para ser visto, exceto minha alma ensanguentada, manchada pelas gotas que eu deixei escorrer enquanto como um louco corria em busca daquilo que até hoje não sei.

A dor lacinante das lágrimas, que avassaladoras percorriam caminhos quilométricos, muito maiores do que uma face, ficaram como um presente para mim. As manchas da água que verteu dos póros desenhava os quadros que eu levaria para o além. Sobraram as gotas da sarcástica alegoria de uma criança infeliz.

Restaram vagas insinuações de uma lua irreal, reluzindo sobre um mar irreal, e o perpassar veloz do cascalho do leito da estrada, que resumia minha vida em pedaços como pedregulhos que saltam da grande rocha. Nada de sólido permaneceu, e na tentativa de um olá sem pretensão, a alma calou-se diante do silêncio de um não. Sob a luz das estrelas apaguei a luz da minha esperança e deitei no berço da velhice precoce.

Deixei escapar a vida entre o vão dos meus dedos, que levados pelas minhas mãos sempre tentaram segurar o mundo, sem perceber que o mundo me segurava. Segurou-me enquanto pôde. Segurou-me até seu peito também não suportar mais.

Vitimado pelas circunstâncias das minhas verdades, defendendo com lealdade os pilares que nunca me defenderiam, morri na sorte árdua de um encontro marcado. Morri para as lembranças que um dia me apagarão também. Morri para o pássaro que construiu seu ninho. Morri antes de virar passarinho.

Senti que nos espaços antes ocupados pelas ideias, sobravam grunhidos que há muito deixaram de ser vozes. Corpos que foram ao inferno, ao purgatório e ao paraíso. Amores que além da vida souberam deixar o tempo passar. Lembranças que resumem essa passagem apenas como uma recordação. Olhos fechados que não mais verei, filmes que deixarão de passar, madrugadas abandonadas pelos sonhos. Quadros que deixarão a parede vazia. Sorriso que não mais saberei encontrar.Pessoas em penitência, sem entender a lealdade da lembrança dirão:

Do poeta esperançoso aqui jaz as letras miúdas de uma experiência falha. Do escritor sonhador, despontam apenas desapontamentos sórdidos guardados à sombra da montanha de lixo que se formou. Nada disse de útil, nada provou de sóbrio. Nas suposições sorrateiras de suas verdades cegas, cavou o abismo da sua morte sem redenção.