Estamos sentados à beira do caminho das nossas vidas. Muito
mais que uma estrada, ele mesmo é a experiência das lembranças. Somos as únicas
testemunhas da nossa ânsia pela virtude da prudência. Como dois construtores,
edificamos nossas linhas, criamos a nossa folha, e agora escrevemos nossa
história, buscando o equilíbrio da maldade para enobrecer o desejo que nos
ocupa mais do que deveria. Transborda em
nossas vozes a força do coração palpitantes. Gritos falam alto, mas é preciso
apenas um sussurro para ouvirmos tudo que precisamos um do outro.
Numa madrugada sem amanhecer visitei seu sonho. Sorrateiro
aguardei seu adormecer para possuir cada parte da sua imaginação. Não esperei
pelo convite, pois sonhos normalmente são invadidos, é assim que se tornam tão
curiosos e intensos. Sob a proteção da noite pude ler seu corpo e revivê-lo a
cada lembrança que enobrecia ainda mais seus detalhes. Nesse conjunto de
formas, cheiros e gostos eu a construo todos os dias. Na distância dos nossos
corpos eu constato a proximidade das nossas sensações. Roubo da sua boca o
desejo de um beijo meu, e permaneço entre seus lábios das formas mais absurdas
e incandescentes. Sequestro seu fôlego e faço refém a sua vontade.
Os corpos despertam na disciplina regrada de um encontro
despercebido. Suaves na calma da sua santidade. Abençoados por uma mão que
inocenta todas as atitudes pensadas ou não. O pecado não existe mais e não há mais também
um tempo para despedida. Ficamos atônitos ao lembrar de que um beijo selou
nosso destino e contou para o mundo quem realmente éramos. Trocamos olhares e esperamos pelo abraço
matinal.
O despertar interrompe os sonhos, mas também prova que os
pesadelos ficaram perdidos na madrugada. Nada pode passar pelas entranhas do sentimento
sem que a alma sinta desconfiada o cheiro da angústia. Essa alma regrada nas
fases de uma razão condenada se adapta a cada novo toque de um olhar verdadeiro.
Paixões se dispersam no encontro dos corações aliviados. Não se pode indagar,
não se pode perceber. Diga-se de passagem, que a ânsia do reencontro sempre foi
o combustível da saudade.
Você esvaziou meu copo, mas mesmo assim eu me senti
embriagado pela boca que de mim roubava a única dose que poderia beber. Rascunhos
de uma obra inacabada, perpetuada pela vontade de nunca parar de escrever.