sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

90º

O quarto ficou escuro, depois que improvisei cortinas, e dei a elas um toque descuidado. Com o lençol pregado na parede fizemos telas de pintura e quadros animados, que mais pareciam filmes em alta rotação. Libertamos o instinto de mudança, o instinto de aventura. Mudamos os planos, para que eles coubessem dentro da loucura que nos propomos viver. Não sabia por quanto tempo duraria. Hoje sei que durou um tempo bom. Assim como uma obra barroca, perdida na cabeça de Caravagio, fizemos luz e sombra. Acendemos vela, quando nossas almas precisaram de um improviso e visitamos o quarto, quando nos despedimos da cena de juízo. O calor pulou o muro e atingiu em cheio o corpo desnudo, deixando assim, o resquício de um peito suado. A última lembrança ainda atormentava os cantos daquele lugar! Tentando elevar os pensamentos para outros recônditos do mundo, vi que a porta estava prestes a se fechar, revelando assim, segredos de um dia nublado. Guardo cada sensação que me presenteou com seus laços de caixa perfeita, enquanto ouço os primeiros pingos que a chuva resolveu mandar. A tempestade se jogou com força, se envolveu em trovões, e fez despencar seus raios, num tom aceso de paixão. O vermelho desinibido, lançado com ardor, foi a peça escolhida para completar a coleção de lembranças, que juntas acabaram compondo uma pequena história. Todas ficarão guardadas, apesar do pouco tempo que fiquei dentro da casa. Tempo louco de mãos soltas, perdidas e machucadas pela porta que se pôs no caminho. Tempo de olhos presos no corpo, que num passo calmo e decidido, abandonava a penumbra e se mostrava por inteiro, tal qual o pássaro adulto voltando para o ninho. Tempo de lembrar os segredos que tornaram a semana acesa, voltaram de uma viagem longa, e desfraldaram as páginas da imaginação. Menina que cresceu formada. Menina que visitei nas madrugadas, menina que se despede pela força que a razão lhe dá.
Nas mesas que ficaram pela sala, se estenderam os corpos cansados, que procuravam apenas um bar para matar a sede. O carro andava acelerado, impulsionado pelas sombras que lhe eram cúmplices, no momento mais tenso do dia. Assim se fez o jogo, assim se fez guarita, assim soou a melodia. O guardião dos corações cicatrizados dormiu por um instante, e deixou o risco rondar a vizinhança. Eu homem, me fiz menino. O semblante sério e ácido se desfez, e me peguei sorrindo. Na boca calada das situações que vivi, percebo que depositei segredos, e sepultei desejos que foram mortos na fonte viva que se fez aqui. O último dia foi racional, um espetáculo de cores, num jardim para onde as almas levaram as flores. Depositaram seus relicários, e deixaram que seus tesouros fossem uma surpresa a mais. As surpresas ficaram guardadas em caixas que empilhamos e organizamos pelo nome. Roupas amassadas, histórias mal contadas e muita vontade de rir. E o relógio mostrava o tempo avançado! Não sei onde coloquei meus livros, não sei onde coloquei meu trago, não sei onde abandonei o cuidado. Agora procuro uma cadeira na qual possa me sentar, e repetir para mim que tudo foi real. Relembrar, e entender que minha boca provou o doce do açúcar, após anos comendo sal.


Um comentário:

Anônimo disse...

" Mudamos os planos, para que eles coubessem dentro da loucura que nos propomos viver. Não sabia por quanto tempo duraria. Hoje sei que durou um tempo bom."
gostei dessa parte *-*, quer dizer, gostei de todo o texto.
E bom, pretendo continuar minha história, mas eu acho que falta alguma coisa OPASKASPOK
mas obrigada.