segunda-feira, 1 de junho de 2009

ESCREVA NA PELE

Quanta imaginação caberia dentro de um espaço? Espaço de tempo, espaço de corpo, espaço de sensações. Todos eles submetidos ao que chamamos de pensamentos. Imaginar é eternizar em espírito a multiplicidade das possibilidades que foram, e as que poderiam ter sido. Quanto suor caberia dentro de um homem? Talvez o suficiente para expressar toda a satisfação de seus olhos diante do improvável. Olhos que abandonaram o corpo, para beber do copo que os deuses lhe deram em comunhão. Olhos de Centauro, olhos de Teseu, olhos de Cícero. Copo de Dionísio, taça de Afrodite, ânfora de Baco, cálice de Vênus. Esse sincretismo histórico se deu num instante de tempo.
O presente tem como maior dádiva, o fato de unir o passado para nós. Somos o resultado das experiências dotadas de sentidos carnais e voluptuosos. A carne dos gregos se fundiu com o espírito dos deuses, resultou em heróis intelectuais, em cenas cheias de libido, e numa arte sensual que invoca a cada instante, uma última chance.
Provar é ir além da própria sorte. É como estar numa corda bamba com uma das pontas prestes a arrebentar. Jogar as cartas numa mesa escura e, aguardar o último jogador blefar, apenas para constatar a vitória sobre o jogo de intenções. Segundas, terceiras, quartas, infinitas. Quem disse que é preciso estar no céu para voar?
O convite se fez. O sino tocou. Uma vez, duas vezes. Na terceira badalada, a terra se abriu e o sacristão entregou-se ao inferno. Um anjo o aguardava no caminho da perdição. O próprio religioso que ocultava seu espírito mau por trás das vestes de sacerdote, tirou seus trajes de santo, aceitando vestir a túnica perversa, imagem diversa das tendas da imaginação.
Rumaram para o inferno. Chamado assim não por ser mau, mas por ser quente, ser forte e imenso. Ao lado da carruagem que os conduzia, uma caravana passava. Viajavam, sem saber o destino, circulavam perdidos na esperança de chegar em casa.
A luz que marca a terra já havia ficado para trás, e os portões do reino subterrâneo foram abertos. No caminho estreito e sombrio, várias almas já se encontram sob a pena da tortura. É muito provável, que braços amarrados em troncos incandescentes, recebiam as chibatadas de sua pena. Corpos estendidos aguardavam em repouso a vez da próxima sentença.
As algemas não eram mais usadas, foram entregues no último carregamento para os policiais que precisavam trabalhar. Quando a última porta se fechou, a cena da prisão se tornou completa. A condenação de horas era convertida em séculos, pelo temor infernal.
A luta foi travada nos cenários medievais. A justa entre nobres foi aceita. O combate foi firmado. Os guerreiros em toque de alerta, lançaram seus golpes dentro de um Coliseu sem platéia. Caso Vespasiano suspeitasse dessa luta, teria ordenado antecipadamente a construção do Circo Máximo.
Lutadores arqueiros, lutadores de fogo, lutadores do inferno. O suor vertia a cada golpe. As mãos se apertavam tentando a sorte. Uns buscavam nos outros um ponto fraco para atacar. Mal sabiam que, após o início da batalha, todos os pontos são vulneráveis e podem fazer o guerreiro sucumbir.
Pontos de fogo foram acesos e espalhados pelos corpos. Queimavam, ardiam, retorciam a pele, a carne e os músculos. Brilhavam em vermelho vivo, vermelho sangue. O próprio sangue vermelho escorria, marcando o caminho da condenação. Era possível ouvir o grito de suas gotas doces.
Tinham sido usados como punição por um crime mal pago. Por um pecado pendente no livro do juiz. Foram colocadas uma a uma, e assim permaneceram, até que foram consumidas pela boca do tempo, que nesse momento já preparava outra pena.
O dragão foi chamado. As espadas sucumbiram, guerreiros mortos ainda lembravam da última batalha travada com o guardião dos tempos perdidos. Cuspindo labaredas de fogo marcou como tatuagem a entrada da caverna. Escondeu seu rosto nos jardins das flores quentes, e devorou o perfume das pétalas vermelhas. A rosa foi lançada na cadeia.
Era inútil fugir para o paraíso. Era inútil tentar pedir harpas, quando o toque do fogo se fazia sentir. A caldeira ardia sobre a lenha. A água borbulhava. Os condenados foram imersos. A fumaça vertia como o sinal do momento de cozinhar. Buscando o tesouro escondido, alguns tentavam mergulhar, experimentavam com os sentidos aquilo que não podiam mostrar. Voltavam à superfície e buscavam uma outra tentativa para uma impossível fuga, eternizada numa esperança perdida. Golpes fatais, golpes mortais, golpes que dominavam, feriam, sentiam, prendiam.
O mais fatal de todos tinha sido ensinado pelos livros. Talvez seja por isso que os padres proibiram essas leituras que liberam a imaginação. Empiricamente estava provada a eficiência dos textos degenerados. Esse foi o motivo do seu uso, em detrimento ao livro sagrado. Feche a porta, encerre a conta que o livreiro irá partir.
Após os passos o círculo de fogo ainda ardia.
O anjo da guarda esperava o seu defendido para almoçar. O banquete foi posto onde o palhaço deveria estar. Não era a mesa do palhaço, nem era aquele o lugar. O anjo que espere, seu azar há de defendê-lo no além.
Deixe que seu rebento prove do fogo que insistiu em acender.
Ardeu o tempo inteiro, mãos queimaram, bocas queimaram, corpos queimaram e cabeças queimaram. As cinzas serviam de carvão que seriam usadas na próxima lareira.
O pecado serviu o drinque para a mesa sorrateira. O inferno silenciou. O ar trouxe seu tom normal. Voltava o espírito da paz, com as notas da música do carnaval. O inferno silenciou. O dia abriu as portas, e a manhã deixou guardada mais uma caixa em seu quintal, enterrada nas longínquas escarpas que descem ao infinito, tornaram a revolução, tema de um lugar bonito. Os demônios foram rezar. A igreja os aguardava. Não é sal, o sal sem mar, nem violenta a voz se não está brava.
Diga até logo aos passos do inferno. Diga até logo ao navio no cais. Se dias vivos virão antes do inverno, dias quentes soltarão os animais.


6 comentários:

Tiago G. Teixeira disse...

Fala meu caro e nobre amigo quanto tempo que bom que te encontrei por meio deste meio de comunicaçao...
Bom referente ao tema por ti escrito nao vou me referir a nada mas se vc ler este comentario entre em contato...um abraçao qualquer coisa meu email é tiago@panteon.com.br

Anônimo disse...

www.grignetkarla.blogspot.com

Unknown disse...

Nooossa, uma verdadeira revolução do Juizo Final.ou no Apoclipse. Tadinho do Sacristão.......

Tainara Siqueira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tainara Siqueira disse...

"as mãos se apertavam tentando a sorte" Mara! Adoro ler seus textos, muito inspirador.

Maris Morgenstern disse...

não entendi, não entendi,
NÃO EN-TEN-DI
Porra!!!