sexta-feira, 30 de setembro de 2011

UMA DESORDEM PRINCIPESCA


Hoje eu bati o carro! Bati no tempo! Trombei contra o momento! Escrevi a mensagem, falei alto demais. Atrapalhei o sono dos anjos e despertei os demônios nas catedrais. Germinais! Ancestrais! Eles adoravam os santos, eles dormiam com as benzedeiras. Não importa se curados da letargia de suas ações ou adoecidos pela morbidez dos seus pensamentos, eles sempre estiveram lá.
Atendi ao chamado de quem não esperava e me arrependi por não ter deixado a hora cair no esquecimento de um relógio quebrado. Queria inverter os ponteiros e quebrar os minutos, derreter todo espaço métrico criado para prender. Acordei sozinho de madrugada, e ninguém soube explicar o motivo na minha solidão. Pesquei em aquários vazios e soltei as memórias num fundo esquecido da minha cabeça.
 Será que consigo tirar poesia da lataria amassada de um carro popular? Não sei se é possível. As rimas não verteriam, as sílabas não casariam. Seria o abandono da Odisséia antes mesmo de Ulisses regressar. Mas os versos não ecoam apenas em canções bonitas. Os versos não reverberam apenas em sutis gentilezas que aguardamos sentados na beira do caminho. Os versos surgem das vísceras. Não é do coração, não é da cabeça. Eles brotam do estômago, eles resplandecem no âmago dos sentidos! Posso então me acertar com a prosa e saber que ela me convida pra jantar.
O que eu quero agora? Um picolé? Digamos que a situação final dele não me agrada muito. Uma sorveteria? Não seria má ideia!  Mas o sorvete derreteria antes de eu chegar. Assim me contento com uma caixa de bombons e uma barra de chocolate. Faço uma orgia solitária com doces que a polícia não pode prender. Mastigo, degusto e sinto que é possível sussurrar em meus ouvidos um som de satisfação.  A vida é assim! Pode até ter sido melhor. Mas a frugalidade da magia se confronta com a fugacidade do fim do espetáculo. Cordas arrebentam e o circo vem ao chão. O violão silencia! O violino dissonante torna as paredes estridentes demais e desmancha a pintura de um quarto que não se constrói outra vez. E tudo que era matéria dissipou-se no ar! 
Nessas horas o mundo foge do meu controle e eu me sinto mortal. Vejo que a chegada celebra as bodas da partida, que a cilada não é mais do que uma labareda aguerrida. Procuro-me para me perder dentro do labirinto que eu resolvi criar. Jardins suspensos, jardins secretos e rosas que se espalham sobre o barco de papel que flutua no firmamento molhado de instintos soberbos. Desabo do meu pedestal e me perco dentro da escuridão que chora clamando pela paisagem natural! Mais um acidente hoje? Não seria bom! O carro submergindo no rio? Não seria bom! A moto caindo no lago? Tampouco seria plausível. Acalmem-se esses devaneios de verão e entendam que outras estações chamam pelo frio das minhas geleiras. Não quero despedaçar o rio que corre para o mar e nem secar as cordilheiras que deságuam nos vales de suas veias abertas.
 Quero olhar ao meu redor e ver além do que meus olhos podem ver, perceber que o rumo certo fica em outra direção e que sonhar acordado é a melhor forma de não me sentir sozinho. São pequenos sinais que se espalham pelas cortinas brilhantes do paraíso. E os cacos de vidro cortam o chão...

3 comentários:

Tainara Siqueira disse...

"Desabo do meu pedestal e me perco dentro da escuridão que chora clamando pela paisagem natural!"

CAAAIL

Tainara Siqueira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tainara Siqueira disse...

Digo o mesmo Sonhar acordada é a melhor forma de não me sentir sozinha.
Te amo ;@
Caaail