sábado, 4 de julho de 2009

"QUASE SEM QUERER"

As primeiras linhas soltam a fumaça de uma locomotiva em viagem eterna, buscando a fonte inesgotável do carvão. Está posta sobre os trilhos que superam a vaidade, e estão fixados por parafusos tão fortes, quanto às coisas que verdadeiramente importam. E assim como elas, estão enterrados fundos na terra, deixando visível apenas aquilo que é necessário, escondendo para o interessado eleito, o restante do seu conteúdo.
Essa é a história de uma viagem, que começa com o choro ouvido ao nascimento. Quando nasci chorei, talvez porque já constatava a demência do mundo no qual eu me aventurava agora. A embriaguez da harmonia celestial foi abandonada, e escutando a voz do amor, me fiz homem. Atendi o chamado para existir, e aceitei tentar compreender a incompreensão sobre mim, que sobre mim caía.
Fui tomado por um desejo sem nome, e por um impulso sem toque. Foi assim que acordei da infinita existência, e tomei a forma finita da matéria, preparando-me a vida inteira para retornar ao infinito. Este sim um dos deuses mais líricos, que deixa o romantismo para aqueles que acreditam, soando como um amor, que de tão intenso, acaba encerrando sua paixão na força do ódio dos corações que palpitam.
Pela prisão da vida, constatei que o meu nascimento trazia enraizado em si, o primeiro passo certo para meu fim. Seria esse fim um recomeço ou uma retomada do trilho interrompido? A vida se impõe como um limite para o verdadeiro gosto da existência. Existir ultrapassa qualquer sentido, qualquer conceito. É experimentar o produto do nosso passado, certo de estar preparando o sentido que será refletido no futuro do nosso peito.
Limite! Essa é a condenação para os vivos. O que eu quero dizer paira à sombra das minhas fronteiras. O real é a mais bela cópia do imperfeito, e sair de mim, seja talvez, a única oportunidade que tenho para me encontrar completamente livre, já que viver é apenas uma das muitas formas de experimentar a vida. É um estímulo às nossas idéias. O sentido do sorriso expresso em lábios abertos diante da comédia. Faz-se possível faze-lo sem expressa-lo.
Esta consciência de sermos finitos em corpo, é para nós o combustível da covardia. É o medo que nos mata devagar, quando na verdade, se vivêssemos a essência, experimentaríamos num só golpe a morte, vinda já tardia.
Experimentamos paulatinamente nossa existência em corpos, como baldes sob o teto perfurado, enchendo-nos aos poucos com goteiras de vida, quando deveríamos expor nossos sentidos ao temporal inveterado e nos inundarmos da água da verdadeira alegria.
Abandonar a realidade é a primeira medida para ouvir as outras vozes que nos contam suas histórias. Senti a intensidade da explosão, quando me posicionei no centro da bomba que foi detonada, e entendi que tudo o que possuo está muito fundo dentro de mim. Sempre vi com meus olhos terrenos, muito menos do que consegui ver com meu coração eterno. Só fui entender a sinfonia, quando parei de escutar o coro das vozes que sempre me pertenceram, mas nunca falaram sobre mim.
O sonho é mais completo que a realidade. Esta não está disposta a brindar comigo, e sim a me afogar na inconsciência. Não estou, e não sei se um dia estarei preparado para o mundo real. Desde quando o mundo ouviu meu primeiro choro, me encarrego de criar para mim as regras do meu próprio jogo. Jogo com a vida, e sei que cada dia é uma nova lida, e viver hoje, não é mais como viver na semana passada. Sobre a verdadeira vida as palavras sempre serão reduzidas. Não poderá jamais ser contada. Contabiliza-se nas eternas experiências, para as quais a razão jamais estará preparada.
Um dia, e não sei quando será, certo que vem, tento atrasa-lo na hora de chegar, experimentarei o silêncio absoluto da morte. Certo estou de que aí então encontrarei a perfeição. Estarei livre das tempestuosas imagens que insistem nos defeitos, e amaldiçoam o corpo vivo, e condenado pelo infinito, a sentir o vento sincero dessa outra dimensão.


Um comentário:

Unknown disse...

o silêncio absoluto da morte. Certo estou de que aí então encontrarei a perfeição. Estarei livre das tempestuosas imagens que insistem nos defeitos, e amaldiçoam o corpo vivo, e condenado pelo infinito, a sentir o vento sincero dessa outra dimensão.
Muito tétrico e melancólico.