quarta-feira, 8 de julho de 2009

A TUBA VAZIA

Fiquei a vontade para ter vontade. Transformei meu corpo num jardim, e dei ao meu desejo a chance de ser o jardineiro. Fiz da vida tela alva e joguei as tintas para os pincéis do destino incerto. Fui o tecido do lençol de sonhos, e deitei na cama preparada pela vida que almejava me ver dormir. Abandonei o medo de ter medo, e vi que minha força apontava para outra direção. Subjuguei o aspecto sereno da sanidade, e cultuei a loucura que me satisfez. Percebi que uma garrafa de sensatez era tudo o que o mundo não queria, pois foi na riqueza da poesia insegura que ele encontrou seu saco de esmolas.
Quando estacionei meu desespero no campo de batalha, soube que precisava segurar firme o arco enlouquecido e apontar certeiro o rumo para a flecha farpada, assim me senti seguro dentro da distância de dois corpos e entendi que a ocasião é apenas um engano a mais na parede do caçador.
Dias claros antecedem as noites escuras, como sinais raros antecedem os momentos de amargura. Tranquei os sentidos, transformando-os em reféns da razão. Abri os olhos diante do espelho e não gostei daquilo que vi. Entendi que estava diante de um mistério vazio, que nada trazia de novo, mas fazia companhia e impedia meu corpo de ficar só. Rompi com as janelas que fechavam a alma, resgatei o resto do olhar aflito que buscava um momento de calma. Olhei para mim, e acordei sutilmente do sono entorpecido. Refleti o instante da realidade que sempre me acompanha. Alma plena numa verdade breve. Carreguei assim o momento único e indissolúvel, que estava sendo escrito o tempo inteiro como forma de barganha.
Inventei uma vida, e me tranquei num quarto transformando-o numa sala de cinema. Apaguei as luzes, e tudo que vi foram cenas repetidas de um universo desmoronando. Agarrei a Nouvelle Vague para contestar a sessão. Refleti o efeito do teatro multicor. Colocando uma idéia na cabeça e uma câmera na mão, senti os efeitos tardios de uma câmera bicolor. Restou-me apenas o socorro do Expressionismo Alemão.
Luz e Sombra!
Nosferatu substitui Romeu!
Julieta está morta!
O boticário lhe negou auxílio,
Foi o Dr. Caligari quem a atendeu.
Só então recorri às legendas soltas nas frases ditas pelo avesso. Elas explicaram o final da obra, e não me permitiram entender o seu começo. São como travesseiro sem pluma, onde é impossível reclinar a cabeça.
Lancei minha fúria ensandecida contra as nuvens. Fiquei com medo quando pensei que meus sentimentos de metal poderiam transformar em sombra o relâmpago e silenciar o trovão.
Tive olhos na terra dos cegos, fui louco ao invés de Rei. De que valem os olhos que ao olhar se negam, de que vale a prisão quando está desfeita a lei?
A loucura, a louca capacidade de contrariar a ditadura da razão me assaltou num beco escuro. Corri para o litoral do sol nascente. Estiquei meu corpo em palavras soltas e mergulhe no mar desconhecido sem saber nadar. Provoquei a vida, essa ironia que ultrapassa qualquer entendimento humano, tentando armar as tendas cruas, erguidas num acampamento cigano.
Não me aceito por inteiro nem descarto meus defeitos, pois são as inquietudes desconhecidas da imperfeição que edificam meu corpo inteiro. Uma vida perfeita seria a mais bela expressão da monotonia contínua, por isso, não espero pelo que está feito, busco construir a obra com as sementes da flor que me fascina. Aquilo que é humano demais, já teve em seus segredos mãos em demasia. Construí uma história virginal enfrentando com os punhos cerrados as madrugadas com pancadas de agonia.
Nunca chamei as coisas pelos seus verdadeiros nomes, dei-lhes de presente uma nova identidade. Um segredo soprado ao pé do ouvido. Como a brisa que agita suavemente as folhas, minha voz ecoava pela sua intimidade. Não me irritei com os defeitos, já que o defeito alheio talvez seja a chave para o meu próprio entendimento, e a simplicidade das coisas seja o primeiro passo para não entende-las. E abandonar o caminho das flores, é a grande oportunidade para colhê-las.


4 comentários:

SACHA LOPES disse...

(..)Não me aceito por inteiro nem descarto meus defeitos, pois são as inquietudes desconhecidas da imperfeição que edificam meu corpo inteiro. Uma vida perfeita seria a mais bela expressão da monotonia contínua, por isso, não espero pelo que está feito, busco construir a obra com as sementes da flor que me fascina.(...)

De onde tu tira tanta inspirção!
Teu itelecto me fascina.

Parabéns Juh.

Gabi disse...

Seus textos são tão bonitos que eu fico com vergonha dos meus.

Unknown disse...

Uma vida perfeita seria a mais bela expressão da monotonia contínua, por isso, E que monotonia,só se é perfeito e bom or completo depois de morto; por isso continue imperfeito....

Unknown disse...

" Fiquei a vontade para ter vontade. Transformei meu corpo num jardim, e dei ao meu desejo a chance de ser o jardineiro. Fiz da vida tela alva e joguei as tintas para os pincéis do destino incerto. Fui o tecido do lençol de sonhos, e deitei na cama preparada pela vida que almejava me ver dormir. Abandonei o medo de ter medo, e vi que minha força apontava para outra direção. Subjuguei o aspecto sereno da sanidade, e cultuei a loucura que me satisfez. Percebi que uma garrafa de sensatez era tudo o que o mundo não queria, pois foi na riqueza da poesia insegura que ele encontrou seu saco de esmolas. (...)


É FANTÁSTICO!