domingo, 29 de março de 2009

EU VEJO O HORIZONTE


Gritei com a voz que me restou, quando último sinal da garganta, silenciava diante de suas convicções. Procurei a pista que o detetive usou, quando seu caderno foi arrancado, e o homem jogado as suas limitações. A força de nossas crenças está ligada à consistência de nossas dúvidas. Duvidar também é conhecer. Especular é uma forma de pesquisar, e quando a idéia submetida se rende à esperança cultivada, vemos florescer uma rosa, num terreno inóspito e hostil. É o espírito que desce em nossos corpos. Deixa o céu monótono da vida eterna, e habita o inferno incerto das causas terrenas. Busca alma que já foram libertas, e acorrenta suas mãos essas pequenas. Abandona todos os santos, e queima seus corpos para apagar as lembranças de uma vida pura. Abandonei o pecado, quando deixei de acreditar que ele existia, e que trazia a morte dura. Caminhei para a santidade de uma maneira dionisíaca. Busquei um espírito divino, mudando o conceito de divindade. Sou a própria eternidade. Sou a própria razão. Sou a inteira caridade, sou a nítida cópia do perdão. Nunca soube de mim antes de existir, e não saberei mais depois que partir. A eternidade dura exatamente o tempo de uma vida, assim como o livro é desconhecido até sua primeira lida. Não quero desperdiçar todo o tempo do mundo, que se resumirá em anos mal contados, esquecidos por uma gagueira experimental, numa contínua luta contra meu lado, correndo louco pela pista da passagem final. É a razão, que assume sua forma religiosa e sobe em busca de venenos, que possam curar as feridas abertas pelas descobertas que a vida fez nos deixando assim, terrenos. É o paradoxo da dominação. Só passei a temer o inferno quando alguém falou que ele existia. Passei a encarar o inferno, quando transferi para lá, tudo o que eu mais queria. Não é o fogo que arde na alma, e nem a água que mata nossa sede, mas a vontade, ela determina quais os peixes ficarão em nossa rede. Não entendo o normal, por isso posso ser alguém, pensando e agindo diferente, sabendo porém, que uma infinidade de pessoas iguais, age diferente. Posso agir de certa maneira, sem ser ou pensar assim. Posso pensar algo indeterminado, e guardar como bem supremo, esse tesouro que não espero, seja roubado. Nunca darei a ninguém o direito de conhecer meus pensamentos. Eles são o nu do meu corpo, que sempre está coberto pelas roupas da decência, mas continua sendo nu. Ninguém nunca poderá ser o vestiário dessa pobre morada. Guardo meus instrumentos com a mesma delicadeza de uma obra inconclusa. Não completou seus traços, não fechou suas tintas em simetria, mas deixou gravado em tela um pouco do seu autor e de sua maestria. Pequena sutileza de versos inacabados. Foi você que encontrei de olhos abertos, quando os meus estavam fechados. Busco você nas mentiras postas em minha mente, e sei que construí uma selva de animas vivos, com suas consciências dormentes. Esse exército de misteriosos jogadores se lança numa trincheira final. Carregam suas culpas, e jogam-nas num abismo, e percebem que a própria terra engole suas ânsias e sua punição. Não há motivo para a culpa. Não há razões para o ódio. Quando o peso da culpa se curva diante da vontade, percebemos que a força está sempre disposta a mudar de lado. É a lua e seu eclipse, é o sol querendo se esconder. Justamente o sol, que em toda sua vida sempre brilhou, e nunca sentiu o gosto de uma noite em seu quintal. Onde as crianças brincam? Onde os jovens beijam? Onde os velhos dormem? Em mananciais perdidos, fechados na própria ilusão.

Nenhum comentário: