sábado, 14 de março de 2009

UM ABISMO NOITE ADENTRO III - Mais uma dose por favor

Enquanto dirigia, vi os mortos, que rastejavam pelo asfalto quente. Enquanto seus corpos derretiam, seu calor era equilibrado com o meio decadente. Suas almas subiam, saiam, corriam, voavam. Restava apenas uma lembrança do que antes havia sido um corpo vivo, uma prova do que guardavam. Senti o amor se perdendo, senti o amor se despedindo. Afrodite recolhe seus filhos, e nos deixa órfãos irracionais. A morte cumpre seu papel, quando exige que ergamos o braço para receber esse troféu. Vitória celebrada sob a pena do pudor, morte encantada que levou de mim a dor. A cada despedida de alguém, entendi que me despedia de um pedaço de mim. Em cada caixão suspenso num velório de lágrimas, vejo o elo que une os mundos descabidos dentro do entendimento da razão. Despeço-me daquele corpo, que do amor sempre fora abrigo, enquanto representado pelas batidas do coração. O amor está preso em cada corpo, em cada ser humano. Não existe no mundo aberto, e nem pode ser posto num só plano. Cada um de nós detém um pouco desse amor. Cada um de nós é um pouco de si mesmo, um pouco de outro alguém. Com a morte do corpo e o sumiço da fugitiva alma, mais uma porção do amor se perde. Penso como seria, se cada ser humano que professa o amor, morresse sem deixar um discípulo para regar a sua flor. Não teríamos herança de sentimento num futuro próximo, e o que nossos filhos saberiam sobre amar, estaria contado em livros, considerados epopéias míticas de verdades intuitivas temporais.
Como adentramos nesse campo sem flores, que torna o jardim suspenso, e destrona os seus valores? Em que momento passamos a acreditar nessa força inquietante? O que nos leva a abandonar a paz de espírito, e desejar ser alma conflitante? Não consigo entender as peças que formaram esse quebra-cabeça, e ainda procuro a caixa do meu jogo, para que a foto desejada pela imagem crie forma e apareça. Touro de cabeça raspada, mago de mágicas descobertas, parado na beira da estrada, vi que os pés gelados, precisavam de uma coberta. Foi nisso que acreditei, foi isso que me envolveu. Percebo errônea e tardiamente que aquilo que busquei, de fato nunca foi meu. Precisei acreditar, precisei beber da fonte. Mesmo que a água corra além das montanhas, eu ficarei atrás dos montes. Escondendo-me das almas infernais, foi que garanti meus votos sagrados, prometi livrar meu espírito das tempestades invernais, quando aqueci cada brecha do meu corpo com o amor abençoado. Tudo o que busco é um abrigo, tudo o que quero é uma sensação, de que o mundo está comigo, e fez um eclipse com a paixão.


Nenhum comentário: