quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A NUDEZ DO SILÊNCIO

Silêncio é o que eu peço por favor. Não quero mais ouvir os intensos tambores que me fizeram dançar, essa dança esquisita, alimentada pela incapacidade de voar, tocada pelo velho apetite do prazer que não me deixava acordar. Não quero mais que os alaridos, estampidos doces, e o farfalhar das asas celestes venham me encontrar. Silêncio é tudo o que eu peço agora.Pode chegar mais perto, mas venha quieto e sem demora.
Tenho medo de enlouquecer preso a essa teia, cheia de vida e de conversas desastrosas. Preso nos rumores das vozes falhas é que eu percebo, quanto desalento, quanto desprezo, quanto despreparo. Sinto o verso firme das palavras, subjugadas ao meu desejo, enfraquecido pelo vento do temporal. Vejo que esse mesmo verso, além de fraco, não sente mais vontade de compor uma canção, uma poesia ou um carnaval. Se perdeu na imensidão daquele ar celeste e paternal. Por quantos caminhos eu ainda tenho que andar, antes de encontrar o rumo certo de um final feliz?
O velho veio outra vez me visitar. Veio para me dizer oi, com sua boca banguela e fétida que expressa apenas o número de vítimas que já devorou. Se eu soubesse como matá-lo para me tornar forte. Se ao menos eu pudesse entender de que matéria é feito seu desejo carnal e febril. Mas nada disso sei. Apenas o silêncio se dirige a mim. Atendendo finalmente meu pedido, chega o silêncio na sua forma crua, desnuda e repleta de feridas que ainda não se curaram. A cura foi mandada para longe, nem sei bem ao certo onde está. E mesmo que eu tentasse buscar outra solução, seria impedido pela minha boca, que luta dizendo não. Não posso me encontrar se não sei onde me perdi. Apenas sinto vontade de correr para um lugar qualquer que esteja a léguas de distância daqui. Se pudesse me desprender do corpo e voltar ao meu estado real, saberia onde encontro a primazia da figura eterna, o ventre original. Mas a condenação do velho me obriga a refletir.
Caminho sozinho, com passos firmes e determinados, sobre o penhasco da verdadeira identidade. Já atravessei as colinas e as montanhas que me separavam do eu , que me separavam do ser. E as vezes me indago, se realmente ser é saber o que será, antes mesmo de acontecer, e concluo que estou sendo muito mais do que verdadeiramente sou. E outra vez o silêncio caça a minha virtude.Quando a encontra, ela toma pra si, como recompensa de uma vitoriosa batalha, onde o inimigo se perdeu em suas doutrinas, e ardeu na própria fornalha, alimentada pela madeira viva da imaginação, transformada em árvore morta, jogada à própria ilusão. E o velho lenhador de sonhos, pôde trabalhar enquanto eu dormia. Pegou o seu machado, cortou o sândalo, e este enquanto deixava escapar o último fôlego de vida, perfumou lâmina que o feriu. Assim eu me perdi. Em idéias adormecidas que não conseguiram me acordar. Aguardo agora o beijo do príncipe que virá um dia, de um universo completamente metafórico, retribuir as gentilezas que eu dispensei enquanto andava pelo seu reino. Não quero um encontro marcado, quero apenas que o acaso contemplado como amigo, surja desregrado me trazendo seu abrigo. Num abraço forte do aconchego eterno, procuro a satisfação de saber que não precisarei mais temer o velho e nem o seu machado. Não precisarei mais temer a ordem silenciosa, escrita num papel manchado pelas lágrimas, que um dia foram contidas, mas que hoje demonstram que a dor é cautelosa e sempre encontra outra maneira de gritar.

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