domingo, 21 de dezembro de 2008

MAIS QUE EU

Devoro-me sozinho, sonho sozinho, ando sozinho e sozinho beijo o espírito solto que busca minhas mãos. Agarro-me, entorpecido pela linguagem das poesias, que os segredos não permitem falar. Quando meus olhos absorveram a luz que refletia a imagem real no espelho, senti a maciez convidativa do corpo que me olhava. Era carne, pele, era paixão, loucura, dessas que não terminam com o verão, mas permanecem vivas por um ano inteiro. Vi o espelho, ele me chamava, me convidava para pular sem medo ou pudor. Celebrando o momento em que vim ao mundo, pulei, mergulhei em suas águas quentes, que eram trazidas por aquedutos, e vinham das montanhas cobertas pelas frondosas árvores, e exalavam o calor de verdadeiras labaredas, aquecidas pelos pingos que brotavam de minhas costas largas. As pernas, também aquecidas puderam laçar a oportunidade que ousei desperdiçar e nadaram madrugada adentro rumo ao cansaço. Era amor de pele, era amor de pelo. Nunca pensei que um simples espelho, causaria paixão. Narciso sofreu solitário. Andou por Téspias, desprezou Eco e quis juntar-se a Apolo e Dionísio.Os deuses desprezaram sua forma natural E agora Némesis me condena. Quer que além de tudo, eu vista uma túnica branca, quando nunca abandonei o tom carnal do vermelho. Nos lábios cor-de-rosa da imaginação, joguei minha âncora. Lancei os remos e fiz parada, mas não parei. Pelos canais navegáveis senti os ventos da emoção. Pude, a bordo de um veleiro, ver a lua se entregar à noite, as estrelas se entregarem às constelações e o sol render-se ao dia. O vulcão lançou sua lava incandescente, ela explodiu e ganhou os céus, escrevendo nele suas marcas de satisfação. A lata de tinta caiu, desperdiçando a cor que ela guardava. Tentei contê-la, mas meu esforço foi inútil, e quando menos percebi, estava completamente colorido, banhado em alto mar. Senti que as encostas e as escarpas, são mais inofensivas quando vistas de perto. É só abandonar o medo, e recolher do baú todos os segredos.
Continuava em meu espelho. E a chuva trazia as correntezas sem direção, conseqüência das nuvens carregadas, e uma estiagem de estação. Os rios, que antes tímidos se escondiam sob a mata ciliar, corriam agora para os mares e se encontravam em verdadeiros ensaios teatrais. E a força com que me seguraram foi sentida pela minha alma, antes que eu pudesse gritar. Gritei pelo mau gosto, mas não era mau o gosto que senti. Apelei para o tempo, já que era pouco o tempo que eu tinha, em face do tempo que meu corpo queria. O dia corria em relógios marcados pelo sol, mas eram os ponteiros que faziam o mundo girar, e o mundo girou, girou, girou. Os dias viraram meses, e os meses viraram anos. E desgovernado eu tinha a nítida certeza de não estar ali. Fizemos o segredo sincero e reafirmamos a igualdade fraterna, naquilo que ousamos chamar de intenso. Mas foi uma mentira estúpida, revelada apenas quando eu erro. Talvez um labirinto de saudades, feito por amores estranhos que tornam a liberdade prisioneira das próprias sensações. Só estou me divertindo comigo, buscando o calor do abrigo, que os meus braços não puderam dar.




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