terça-feira, 15 de julho de 2008

UM ANJO CAÍDO OUVINDO O SOM DA MADRUGADA



Resolvi sair um pouco dos temas "públicos" se assim posso chamá-los, e buscar o ser introspectivo. Aquele ser que se sustenta baseado em suas convicções, pensamentos e conceitos criados muitas vezes ao sabor dos próprios amores e valores. É madrugada, o sono fugiu e meus olhos estão abertos como se quisessem ver alguma coisa. A madrugada se desenrola como um pergaminho inacabado, sendo presenteado com frases novas a cada minuto. Mas a madrugada é capaz de promover encontros. Dentro do silêncio sepulcral da noite, somos convidados a nos olhar, e nos ver. É como se o espelho da alma pudesse refletir cada instante guardado em nosso coração, em nosso espírito, em nosso intelecto. É o som da madrugada. Este som na verdade é o eco de nós mesmos. É a sonoridade devolvida, é a mudez abandonada, a vergonha vencida! Que pena que esses encontros só acontecem quando não há ninguém para testemunhá-los. Se fosse o contrário poderíamos promover verdadeiras festas dionisíacas e nos esbaldarmos com o íntimo, discreto e as vezes despercebido pensar. Me encontro em paredes de concreto que podem ser ultrapassadas num simples fechar de olhos. Alçar o vôo mais surpreendente que posso imaginar: O vôo para uma liberdade que sempre esteve ao meu lado, mas que dificilmente poderia perceber, quando a luz do sol me cega durante o dia. As estrelas da noite são tão belas quanto nossa estrela maior, a diferença é que elas nos concedem o direito de brilhar. E neste brilho podemos sentir a energia proporcionada pelo nosso sentir. É como se toda a complexidade do Universo fosse simplificada num pensar e canalizada para nossa unicidade que se amplia a cada fechar de olhos, e alcança por vezes um verdadeiro céu de baunilha.

Tudo existe dentro de nós. Não podemos acreditar que apenas nossos sentidos podem nos fornecer os prazeres que precisamos, e longe de mim exaltar agora o hedonismo. Talvez nosso intelecto seja o tão propagado 6º sentido. Nossa razão, (mas não a razão presa a regras filosóficas) a razão individual, o sentir individual e a possibilidade de dar ao mundo as cores que quisermos, essa sim é capaz de nos brindar com os segredos mais sacanas. É como se uma caixa de lápis estivesse em nossas mãos, e nossa vida fosse uma folha para colorir. Daremos a nossa noite uma cor especial, daremos ao nosso dia um brilho sem igual, daremos ao nosso doce um sabor desmedido e desregrado. Tudo isso nos proporciona a madrugada. Esse encontro com os seres encantados que nada mais são do que pensamentos que arriscam se libertar protegidos pela sombra noturna. Os absurdos que somem com o amanhecer correm livremente antes da lua dar tchau. E os animais que perambulam pela selva urbana durante o dia, se transformam em amantes carinhosos sob um céu que nos dá de presente os milhões de pontos luminosos que representam nossas intenções de volúpia e embriaguez. Que a noite venha sempre nos brindar, trazendo as taças do sentimentalismo exposto, e criar em nós esse ser poeta, esse ser sensível. Ou criar apenas um ser inteligível capaz de compreender o mistério e entender aquilo que ninguém atribui valor.

É nesse tempo de insônia que a estética se perde, que a ética diverge. Onde os padrões estão sem sentido, e o critério de justiça inebriado pela pausa que a luz nos deu. Minhas pupilas já se acostumaram. É como se estivesse num principado da Romênia, talvez Valáquia, talvez Moldávia antes da morte de Mihai Viteazul. Correndo pelos campos pedregosos e cobertos pela neve eslava. Nada poderia me deter, para tudo poderia achar uma solução. Se a fome, velha companheira de jornadas viesse bater em minha boca, também poderia resolver. Nesse cenário de gatos sorrateiros, eu chamaria o Voivoda Vlad III, e empalaríamos alguma refeição, enquanto as palavras norteariam o rumo do próximo passo.

Pode parecer loucura mas acho que é pura perfeição, e eu ainda diria que todos esses devaneios, alguns por aproximação outros por pura ilusão, são apenas alguns sons que a madrugada nos faz ouvir. Não tento salvar o sono, mas procuro sonhar acordado, e me apresento ao mundo infinito de sensações.

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