quarta-feira, 5 de agosto de 2009

APENAS UMA MENINA

Seus gritos são a chave que trancam dentro de mim o silêncio recluso. Torno-me freira, guardando suas confissões não professadas, suas cordas de violão jogadas na lixeira. Seu confessionário esquisito, suas próprias indagações com respostas distantes daquelas que você resolveu dar. Não me culpe pelas coisas que fez. Eu não sou espelho que reflete seus anseios e seu querer.
Calo-me não sei por qual motivo. Pena ou dó talvez, por ver uma alma tão atormentada pelas próprias ilusões, e lançada num labirinto de interrogações. Por que não olha um pouco ao seu redor? Querendo ganhar as coisas que nunca teve, está perdendo aquilo que defendeu sua voz, aquilo que será sua marca e perpetuará sua eternidade.
Grãos de areia escapam entre seus dedos, e sem perceber, sua mão está ficando vazia. As possibilidades de alegria foram lançadas ao espaço infinito das inquietudes, e o vento veio trazendo a resposta tardia. O temporal se ergueu, relâmpagos e raios trouxeram a tempestade numa noite invernal. Estremeceram o céu com seu retumbante estampido, mas logo depois calaram-se, quando o torpor da alma etílica se entregou aos cuidados satisfeitos do rei do mundo dos sonhos.
Dorme agora, dorme em paz. Está sendo assim todas as tardes. Seu sono traz a paz de espírito que busquei em algum momento do dia. Dormindo silencia o julgamento, dormindo sentencia a própria causa e aprende a não concluir verdades sobre os outros, inspiradas no temor da descoberta das suas atitudes remotas.
Onde habita o pecado de um sorriso sincero? Onde está a mácula de uma amizade pintada no arco íris? Onde está o cheiro do veneno, quando é a pureza que venero?
Quando eu sonhava meus sonhos infantis, em meu olhar brilhava o desejo de sempre estar ao seu lado. Algum dia, porém, seu lado se mostrou humano demais, e eu descobri que o super herói tinha fica preso dentro do gibi. Dormi ao perceber que a desilusão me deixou de olhos fechados.
Assim fui enchendo meus olhos de lágrimas. Anoitecendo dentro de mim justamente quando eu queria que despertasse o dia. Perdendo algo maravilhoso que nunca tive, sentindo por instantes curtos o gosto absoluto daquilo que nunca provei.
Como quis que você me notasse. Como quis ser tempo no seu relógio lotado. Quis ser a intenção no seu peito cultivado. Quis provar que nessa esfera perdida das tentativas, você era algo que eu tinha ganhado. Eu não me perdi. Você fugiu de nós.


4 comentários:

Unknown disse...

O temporal se ergueu, relâmpagos e raios trouxeram a tempestade numa noite inverna.Temporais são apenas momento,pois com certeza depois surgeum raio de sol.

Unknown disse...

Assim fui enchendo meus olhos de lágrimas. Anoitecendo dentro de mim justamente quando eu queria que despertasse o dia. Perdendo algo maravilhoso que nunca tive.Nesse momento sente-se culpa por não e4star junto para secar as lágrimas.

Bruninha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bruninha disse...

Eu poderia extrair um trecho desse texto e dizer o quanto ele é bom. Mas hoje não. Não é o suficiente.

Eu li várias vezes, e a cada releitura fiquei mais fascinada.
Talvez seja porque desilusões costumam dar ótimos textos, talvez porque esse, em especial, transpareça muito bem o Che sensível que eu tanto gosto. Talvez os dois. rs

Beijinhos