domingo, 23 de agosto de 2009

JÁ ESTAVA NA HORA DE MUDAR

Entre quatro paredes de ferro e vidro escrevi partes do meu destino. Expus no leito reclinado meu lado visceral e tentei transformar em palavras coisas que não se podem dizer. Gaguejei diante de minha versão. Larguei o terno no canto da sala, e meu tom formal foi abandonado num lugar que nem sei mais. Não vou procurá-lo outra vez. Desnudo e exposto pude mostrar o que meu sonho me fez.
Viajei por vários dias, e voltei semanas no tempo, tentando recuperar o momento exato onde comecei a me perder. Perdendo a mim mesmo, encontrei o outro eu que não conhecia. Tornamo-nos amigos, e não quero deixá-lo partir. O tempo que eu tive para pensar passou rápido demais. Não consigo separar a manhã e a tarde, senão pelo fato que de manhã alguns homens procuravam outros para matar.
Durante a manhã as águas caem frias, os vidros separam os beijos. Durante a manhã me abaixo para abrir a geladeira e sinto o frio percorrendo meu corpo. Durante a manhã os lençóis estão desarrumados, as cobertas espantam o frio. Enquanto numa cama pequena, fazendo poemas consigo me cobrir de amor.
O que eu faço comigo? Recupero meu silêncio ofegante tratando com remédios doces meu peito de luz ofuscante. O capitão da fragata considera o horário necessário e traz as vestes molhadas lançadas sobre o armário. Nos cômodos de chão liso, quase caí, escorreguei no meu desejo e entreguei meus braços acorrentados e meu corpo preso.
A areia do deserto ficou desfigurada em sua forma original. Sobre ela, se encontram destroços de um quadro que caiu no chão. Os rios que encheram até a borda, secam agora sob o imenso calor. Vozes que podem ser escutadas no escuro, escondem olhos que não podem se ver, mas escondem o toque das mãos.
Surpresas são a receita diagnosticada para uma cura que parece distante do quadro real das possibilidades. Detalhes são notados tão rapidamente, que a sensação é de que sempre estiveram ali. Percepções que se escrevem numa versão alterada do que sou. Não podem repetir tudo o que digo, não dizem tudo o que eu poderia repetir. Guardam silêncio num peito que não alarmou, mas que bateu no ritmo acelerado dos minutos que correm afobados para encontrar o tempo que terminou.
Vida acesa com supostas tochas que no colapso aceso das chamas exaustas pela sensação do som invasor das trombetas inimigas, não escolhem dias certos, não clareiam a tormenta inerte. Buscam imagens da prateleira que lançou. Não sei contar os números. Acho que alguma coisa ficou pra trás. Ao alcançar o desconhecido e mesmo, que enlouquecido, posso acabar por perder toda a compreensão das minhas visões. Sei apenas que um dia pude dizer que as vi! Se eu falhasse no meu salto para as coisas inaudíveis e inomináveis, saberia que um dia tive forças pra pular.
Beijos em príncipes condenados a sapos, recuperados do pântano e abraçados pela pura e simples vontade de abraçar. Princesas que com os pés de cristal, escondidos pela meia, ganharam o trono, condenaram-no com alguns goles exagerados, e voltaram a ganhar. Troféus da primeira vez. Troféus do que nunca aconteceu. Não consigo entender como as coisas fogem tão depressa, não consigo entender.
Antes que os homens fossem mortos sob a ordem da manhã, entrei com a delicia dos meus sonhos, sob o gosto da refeição nordestina, buscando raptar a feiticeira, trazendo quem já almoçou com a batina. Procurando o toque de uma música final percebi que as notas foram perfeitas, no momento exato da ansiedade. Animados sem receio, corpos por inteiro, imaginação provada sem vaidade. Olhei meus próprios olhos, visualizei meu próprio cansaço. Pedi se podia seguir viagem, viajei desajeitado pelo seu enlaço. Óculos e vírgulas num texto surreal.


8 comentários:

Daiane Pereira disse...

"e tentei transformar em palavras coisas que não se podem dizer. Gaguejei diante de minha versão."

Seus textos falam comigo :)

SACHA LOPES disse...

Não consigo entender como as coisas fogem tão depressa, não consigo entender.

*-*

Ana Heck disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Olá!
vi em uma de suas postagens antigas o nome do professor André Chrun, sei que ele dá aulas de história e hoje acompanhando o jornal da RPC percebi que ele dava uma aula sobre a indústria cultural, como sou pesquisadora deste tema resolvi correr atrás de um contato para troca de informações...Realizei uma busca no google mas as únicas páginas com referência ao nome "André Chrun" são o seu blog e o site de uma banda chamada Maria Madalena, procurei também na plataforma lattes mas não achei nada, por isso estou aqui. Enfim, gostaria de saber se seria possível me passar o email dele para trocarmos informações a respeito do tema. Obrigada

Tainara Siqueira disse...

"..abraçados pela pura e simples vontade de abraçar."

Bruninha disse...

'Surpresas são a receita diagnosticada para uma cura que parece distante do quadro real das possibilidades'

Adorei!

Gabi disse...

"Surpresas são a receita diagnosticada para uma cura que parece distante do quadro real das possibilidades." *-*

Fantástico!

Gabi disse...

Po, a menina escolheu o mesmo trecho que eu, que paia hahahaha
Nem tinha visto!